Pingo Amargo

Nem tudo que é legal é legítimo. 
Qualquer ditadura se cerca de um arcabouço legal que lhe dá suporte jurídico. 
Nem tudo que é possível é ético. 
Aqui as fronteiras são mais esgarçadas. 

No momento em que Portugal está falido, à beira de um colapso, acontece a inacreditável declaração do Primeiro Ministro aconselhando seus patrícios a deixarem o país. 
O mesmo conselho foi dado pelo ministro da Juventude, aconselhando os jovens a sair. 
Logo depois um deputado sugeriu a criação de uma agencia nacional para apoiar a emigração. 

Mas parece que os deuses não estão muito alegres com a terra de Cabral.

O grupo proprietário do Pingo Doce, uma das maiores cadeias de supermercados nacionais, anunciou agora que transferiu, no dia 30 de dezembro, ao apagar da luzes de 2011, sua sede para a Holanda.
O grupo é o segundo maior importador do país.
Na Holanda eles vão pagar muito menos impostos. 

Vão ganhar dinheiro em Portugal e pagar imposto na Holanda. 
O contribuinte holandês agradece essa chegada de recursos inesperados que irá ajudar a manter seu elevado padrão de vida. 
Já os portugueses, que se lixem. 

A revelação chocou a população que descobriu que enquanto fazia suas parcas compras de fim-de-ano o Pai Natal lusitano estava às mudanças. 
E não só. Há mais, pá.

No grupo de empresas portuguesas com sedes/subsidiárias na Holanda estão por exemplo:
Mota-Engil - engenharia, concessões publicas, transporte, turismo
Galp - combustíveis, distribuição e gaz
Petrogal - petróleo
Sonae - jornais, média, telecom, supermercados
Grupo Espírito Santo - banco e financeiras
CGD - maior grupo bancário e de seguros
Portucel - papel e celulose

E muitas outras. Dezoito entre as PSI-20 - Portuguese Stock Index - as vinte maiores do país cotadas na Bolsa. Dezenove agora.
Só falta mais uma. A EDP - Energias de Portugal - monopólio de eletricidade, que os chineses acabaram de comprar uma parte.
O escândalo levou a se investigar mais empresas portuguesas com ações na Bolsa.
Triste decepção.

A maioria delas prefere pagar pouco ou nenhum imposto na Holanda ou em Luxemburgo. Algumas delas controladas pelo próprio governo português.
A população que arque com os crescentes aumentos de impostos dos quais não consegue fugir.

Até agora a Holanda já recebeu 6,6 bilhões de Euros de capitais portugueses. Setenta por cento dos investimentos estrangeiros portugueses. Dezenove de suas vinte maiores empresas mudaram para lá.
Um êxodo catastrófico para um país em crise.
Financeiramente a atitude das empresas está correta como estruturação fiscal. Inclusive por que quem não fizer enfrentará a concorrência, com menores custos, de quem já fez.

Mas há algo de profundamente errado na legislação comunitária que permite essas fugas fiscais dentro da União Européia.
Principalmente quando servem para transferir renda, enriquecer os ricos e empobrecer os pobres.
Mais errado ainda o governo que a permite.

O jornalista Pedro Santos Guerreiro, resume bem o sentimento no país:
Estamos saturados de manhosos, desconfiados de moralistas, estamos sem ídolos, sem heróis, estamos encandeados pelos faróis dos que saltam para o lado do bem para escapar à turba contra o mal. Quando apanhamos, abocanhamos. Estraçalhamos. Somos uma multidão furiosa. Às vezes, erramos. A família Soares dos Santos não está a fugir aos impostos. Esta a fugir ao País. O que custa a engolir não é que Soares dos Santos tenha cortado o passado com Portugal. É que tenha cortado o futuro.

Alexandre Soares dos Santos, presidente e um dos proprietários do Pingo Doce chamou o governo atual de "desgoverno".
E disse publicamente há quase um ano, no dia 18.02.11,
- O governo mente ao negar que o país está em recessão. Não vale a pena pedir sacrifícios às pessoas sem lhes dizer a verdade.
Há um ano atrás Soares estava alertando que ia sair do país. Foi o penúltimo dos vinte.

O último a sair, a EDP, terá que sair e apagar a luz.