O Afeto em Ferro.

Ferro parecia duro.
Meu tio tinha um grande coração, sua afetividade se mostrava de outras formas. Desde que eu era criança nós nos entendíamos. Adolescente fui mais amigo dele que de meu pai.
Ele sempre estava a fazer viagens internacionais quando trabalhava para a Organização Mundial de Saúde. Invariavelmente estes vôos partiam do Rio. Ferro então sempre passava uns dias conosco. Quando voltava das viagens sempre me trazia algum presente.

Nesta época eu já fumava.
Ferro sabia e me trouxe meus primeiros Balkan Sobranie. Cigarros ingleses, ovalados, um blend de fumos turcos. Uma formula secreta da família Redstone que os produzia à mão seguindo uma tradição russa. Vintage, os cigarros vinham embalados em belíssimas caixinhas retangulares de metal que hoje são peças de coleção. Perfumados, dourados, requintados, caríssimos.
Eu os guardava com devoção. Esperava um momento sossegado, fechava o quarto. Fumava dois por semana até que Ferro me trouxesse mais.

Conhecíamos-nos muito bem.
Muitos anos depois minha tia, amor da vida dele, estava internada em estado terminal. Sem chances era o fim. Estávamos na varanda da casa dele, ele na rede eu numa cadeira. Toca o telefone. Fui atender, era do hospital, era minha prima.
Voltei para a varanda. Parei em frente a ele, fiquei de pé, não me sentei. Olhei para ele. Ele me olhou ansioso, calado. Então lhe disse,
- Aconteceu.

Não piscamos, não movemos um músculo, ficamos calados por alguns segundos. Saí da varanda. Sabia que ele, muito viril, não iria querer que o visse chorar. Deixei-o só, fui para um quarto. De longe ouvi seu choro, seus soluços.
Esperei um pouco, fui até a cozinha, preparei dois uísques, voltei para a varanda. Conversamos a noite toda sobre tia Dolores.
Ao final o abracei.