Ione

De todas as minhas amadas ela foi de longe a mais delicada, a mais sofisticada, a mais intrigante. Uma das mais cultas e inteligentes. 
Bela é pouco. Aos quinze anos ela foi a primeira menina a ser capa na revista de maior circulação nacional. Lindíssima.

Magra, loura, lábios carnudos, dentes perfeitos, descendente de holandeses. Sofisticadíssima, falava baixíssimo, cruzava as pernas como ninguém. Nunca a vi repetir uma roupa. Não andava, flutuava com uma graça que poucas das amigas manequins tinham.
Conhecia os Clássicos, fluente em francês e inglês. Viajadíssima deu sua primeira volta ao mundo ainda adolescente. Paris e Nova Iorque eram suas paixões. Adorava poesia. Sabia, tinha tudo de Vinícius de Moraes. O poetinha a conheceu e se apaixonou. Ela recusou-o.

Apesar de não fazer diferença em seus encantos Ione era rica, muito rica.
Ganhou seu primeiro carro esporte quando fez quinze anos. Morava numa mansão à beira-mar mas não ia à praia. Ficava na piscina tomando sol, mandava um empregado ir à praia com um balde para trazer água salgada. Ela usava a água salgada para se bronzear melhor.
Morava com os pais. A suíte dela era imensa. Gavetas e mais gavetas de joias, um closet que era um guarda-roupa de boutiques caríssimas. Estantes cheias de livros e discos. Uma imensa banheira escavada em um bloco de granito negro onde ela passava longos banhos de sais e espuma.

Ione adorava Cinema mas não ia aos cinemas. Nunca,
– Estão cheios de gente chata.
Um adjetivo de óbvias conotações sociais. Ela preferia assistir tudo em casa sem gente chata por perto. Certa noite a encontrei com dor de cabeça. Ela avisou,
– Estou com uma dor de cabeça imensa. Vou me aprontar para sairmos.
– Mas não estás com dor de cabeça? Queres que eu vá até uma farmácia?
Ela riu, saiu da sala. Depois voltou deslumbrante.
Saímos, fomos para a boîte mais cara da cidade. Entramos, ela foi direto ao toilete, logo depois voltou,
– Pronto já podemos ir embora.
– Como assim?
– Já peguei um comprimido para dor de cabeça no toalete. Já podemos voltar pra casa.
Quem em sã consciência deixaria de passar rapidamente numa festa para ir a uma farmácia?

Apesar de elegantíssima Ione não frequentava boutiques. Quando queria atualizar o guarda-roupa dava apenas um telefonema. A boutique mais cara da cidade mandava suas melhores criações e suas manequins para a casa dela. Desfilavam para ela, ela escolhia os modelitos e comprava. Sem gente chata por perto. Sem stress. Ione era muito tranquila.
Eventualmente uma dessas grifes pedia sua ajuda. Ela concedia e desfilava rapidamente. Super simpática. Aplaudida. Adorada.

Certa vez ela foi à garagem da casa e não encontrou o próprio carro. Voltou, reclamou com o pai,
– Pai aconteceu alguma coisa, meu carro não está na garagem.
– Filha resolvi lhe fazer uma surpresa e comprei-lhe um carro novo. O seu agora é aquele branco.
– Branco? Mas eu o-deee-io carro branco. Não quero um carro novo, quero meu carro dourado de volta, por favor.
O pai teve de voltar na agencia e desfazer o negócio com algum prejuízo.

Ela me ensinou que a extrema beleza também pode ser uma maldição,
– Já passei tardes inteiras na piscina do Yacht vendo todas minhas amigas serem paqueradas e sem que nenhum rapaz se aproximasse de mim. Beleza demais atemoriza.
Ela deu-me um conselho valiosíssimo, revelou-me um segredo de estado,
– As extremamente bonitas são as mais fáceis de paquerar. Como muito poucos se arriscam a chegar perto aquele que tem coragem de chegar é premiado.

Ione falava baixíssimo. Certa vez vendo uma sobrinha fazendo algo muito errado repreendeu-a,
– Não faça mais isso, eu não vou gritar novamente com você!
– Mas tia eu nem estou ouvindo o que você está dizendo.
Quando Vinícius morreu eu estava numa sala de cirurgia quando uma enfermeira contou que ouvira a notícia no rádio. Pensei imediatamente em Ione. Não queria que ela soubesse de qualquer maneira. Sai na hora sem trocar de roupa, peguei o carro e fui até a casa dela sem avisar. Quando a empregada apareceu disse-lhe que precisava falar urgentemente com Ione.  Ela foi avisa-la e logo depois voltou,
– D. Ione pede desculpas por não descer. Ela pede que o senhor por favor telefone antes de vir.
Nunca mais repeti tamanha indelicadeza.

Ela adorava quando íamos para o sítio da irmã dela, nos fins de semana, em louca disparada em meu conversível. Em noites quentes ao som de Billy Paul cantando Your Song.
Depois eram inesquecíveis nossos sussurros entre a escuridão das árvores. Aos beijos, na intimidade de suas longas pernas de mármore. Deusas merecem reverencia. Educadíssima ela reservava os palavrões para os momentos de paixão.
Certa vez amando-a fiz tudo que sabia para levar minha deusa ao paraíso. Fui recompensado,
- Quero você por toda a minha vida.
Para ser fiel ao seu poeta favorito foi eterno enquanto durou.