O Gôzo do Perverso

De todos os perversos históricos que tenho conhecimento aquele lituano anônimo, mas real, do post www.camaracorrea.com/2012/07/um-lituano_07.html é o que mais me assusta pela espontaneidade de suas ações. Não menos ainda pela interação e cumplicidade da massa disforme, o monstro de mil cabeças de Horacio, que o incentivava.
Blokhin, o carrasco de Katyn chega perto, mas este era um burocrata da morte, tinha tarefas a cumprir. Morreu alcoólatra acossado por seus demônios.

O perverso tem o gozo do Mal se fascina pela ideia de se livrar do tempo e da morte e nos incomoda por mostrar o lado sombrio que todos carregamos. Certamente o mais sofisticado dos perversos foi o Divino Marquês, o de Sade.
Donatien Alphonse estruturava brilhantemente a inversão de valores, trocando os sinais, provando com uma lógica aparentemente correta os maiores absurdos. Ele sustenta que a pessoa que pratica o Bem o faz para mostrar ao outro o quanto lhe é superior. Não o faz por amor, solidariedade ou compaixão, muito pelo contrário o faz para humilha-lo com sua superioridade. O Bom na verdade é o pior dos maus. Assim sendo a gratidão é uma bobagem. Não se deve pratica-la pois quem lhe fez o bem já recebeu no gozo de exercer o poder, no gozo da humilhação, a paga de seu ato.

Certamente que há um gozo, levemente perverso em certas circunstâncias, em fazer o bem quando ele envolve o exercício do poder sobre o mais fraco. Há quem jure e diga horrores sobre Madre Tereza de Calcutá. Mas levar este raciocínio aos limites de Sade é mesmo do Perverso.
O perverso em Sade é semelhante ao dos carrascos nazistas que atribuíam às vítimas a responsabilidade última de sua própria eliminação. Emblemático do humor perverso é a frase inscrita na entrada do campo de Dachau, que tecnicamente seria um campo de trabalhos forçados. Na entrada se lia Arbeit Macht Frei, O Trabalho Liberta. A frase é mais dantesca do que a que o próprio Dante escreveu na entrada do Inferno, Lasciate ogni speranza voi che entrate, Deixem Toda a Esperança Ó Vós que Entrais.

A História está cheia deles.
Calígula ao fim de um jantar servido em seus jardins a um novo embaixador lhe perguntou o que tinha achado. Ele respondeu que a comida estava ótima, apenas o cheiro dos empalados no jardim o tinha incomodado. Prontamente o imperador mandou empala-lo num tronco mais alto para que o cheiro dos outros não o incomodasse.
Você riu, perverso. Há dois perversos aqui neste momento, você e eu. Somos irmãos carregando nosso lado obscuro, tentando contê-lo. Ou não.

Lógico que há níveis diversos em cada um de nós. O que não se pode negar para si mesmo são as muitas vezes em que desejamos matar, fazer sofrer, dominar ou nos exibir. Somos todos perversos, assim como somos todos neuróticos.
Essa consciência sadia nos ajuda a distinguir entre o Bem e o Mal. E quanto mais conscientes melhor, mesmo que isso custe anos de divã. Pelo menos se o psicanalista não resolver seu problema você estará resolvendo o dele.
Mae West dizia que quando ela era boa ela era ótima, mas quando era má era ma-ra-vi-lho-sa. Todos carregamos a marca da perversidade, todos carregamos o gozo da maldade. Nem que seja aquela maldadezinha que você anda louco para aprontar com alguém.

Hannah Arendt vendo no nazismo a institucionalização do perverso cunhou atônita esta definição monumental: A Banalização do Mal. Ali aconteceu uma inversão moral do Estado, a instituição da qual se espera proteção, justiça e imparcialidade. O Nazismo é a fascinante disfunção de uma sociedade culta e moderna que unanimemente se entregou à barbárie, arrastando com ela outras sociedades, criando condições ideais para o livre e extremado exercício daquele lituano.

Onde está, onde se esconde nos desvãos de sua alma o seu lituano?
O meu? Adorei descrever as maldades dele.