O Sol Nas Bancas De Revista

A imprensa alternativa no Brasil nasceu no Caderno Escolar do Jornal dos Sports da família do Nelson Rodrigues.
Deste caderno escolar surgiu, muito antes do Pasquim um jornal chamado O SOL. O jornal idealizado pelo poeta Reynaldo Jardim teve como editora-chefe a jornalista Ana Arruda Callado. Nasceu em 1967 antes do AI-5.

Adolescente, dezesseis anos, eu tinha uma prima que além de manequim e muito bonita estudava jornalismo na PUC. Metade das meninas bonitas do Rio estudavam jornalismo na PUC, sendo que a outra metade estava se preparando para entrar. As más línguas chamavam a escola de espera-marido.
Dezembro de 1966, um dia a prima aparece lá em casa.
- Vais fazer o que nessas férias?
- O de sempre, praia, cinema, praia, teatro, praia, festinhas e praia.
- Quer trabalhar num jornal e ganhar um dinheirinho?
- Claro!

Era para ser repórter “foca” do Jornal dos Sports no caderno escolar. Era ótimo trabalhar com aquele pessoal mais velho, brilhante, importante, como se dizia época engajado. Como era tempo dos vestibulares me deram estas tarefas mais fáceis de cobrir. Eu nem imaginava o que me esperava, o que estava por acontecer.
Eis que um dia surge uma grande novidade na redação. Estava sendo criado um novo novo jornal.
Nascia O SOL.
O SOL foi ideia do Reynaldo que trabalhava no Jornal dos Sports. Dona Célia Rodrigues, viúva do irmão do Nelson, topou a ideia de criar uma espécie de jornal-escola para formar uma nova geração de jornalistas e comunicadores.
N'O SOL havia gente como Ziraldo, Zuenir Ventura, Arnaldo Jabor, Henfil, Antonio Calado, Carlos Heitor Cony, Fernando Duarte, Adolfo Martins, Ricardo Gontijo, Otto Maria Carpeaux, Martha Alencar e Sérgio Lemos. Nelson Rodrigues desenvolveu suas primeiras histórias infantis nas páginas do diário. Chico Buarque chegou a publicar um cartum.

E eu ali assistindo tudo. Babando.
O SOL era revolucionário em vários aspectos tanto gráficos quanto editoriais. Ele criou a corrente de onde surgiriam mais tarde O Pasquim, Opinião e Movimento. Era um lugar de pessoas engraçadas, malvadas, inteligentes e com um ego muito grande, diz a Martha Alencar hoje produtora de cinema.
A diagramação do jornal era linda, inovadora. Para poder ser lido e dobrado no ônibus, cada matéria ocupava apenas um quarto da página. As diagramadoras, entre elas minha prima, eram conhecidas como as "meninas do Reynaldo" e literalmente mandavam na redação.
Depois que cada editoria fazia sua pauta com os assuntos do dia as meninas desenhavam as folhas do jornal. Antes de escrever os redatores já sabiam o espaço que teriam para cada reportagem, o tamanho possível para o título, tudo de acordo com o espaço que as "meninas" determinavam.

CHE GUEVARA PODE ESTAR VIVO.
Enquanto todos os jornais noticiavam a morte de Guevara esta foi a manchete d'O SOL. Ela mostra bem o espírito do primeiro jornal alternativo no Brasil pós-golpe militar de 64.
Na equipe todos se interessavam por tudo um pouco, inclusive em divulga-lo e vende-lo nas ruas e nos points frequentados pela intelligentzia (pela burritzia também) e pela boêmia carioca.
Numa desta vezes eu estava divulgando-o à noite na porta do Cinema Paissandú, a meca do cinema de arte no Rio, onde acontecia de tudo.
Fui então clicado por um repórter fotográfico: fazendo pose, com um sorriso enorme, mostrando o jornal todo aberto. A foto acabou sendo usada pela revista Fatos&Fotos. Em pagina inteira, a foto ilustrava uma reportagem sobre a Esquerda Festiva, como era chamada a ala da esquerda que fazia seriamente a Revolução a partir de bares e festas.

Esta foto me rendeu uma tremenda descompostura no PCdoB onde eu militava.
Tive que fazer uma séria autocrítica reconhecendo meu comportamento pequeno-burguês e anti-revolucionário, etc, etc.
O SOL chegou a ter uma tiragem de 70 mil exemplares mas apesar do sucesso, sem muitos anunciantes o jornal não durou muito. Depois de encerrado o sol do Reynaldo, nossa equipe assumiu a programação da TV Continental. Com dezessete anos fui locutor no jornal da noite. Infelizmente O SOL não teve fôlego para participar do íconográfico ano de 68. Fico a imaginar tudo o que ele poderia ter feito num ano como aquele.

Como diz o Zuenir “O SOL experimentou expressões do cotidiano. Um pouco, guardada as devidas proporções, o que a Semana de 1922 fez com a linguagem poética, de mostrar um universo vocabular mais popular, a fala do dia-a-dia".
E do ponto de vista do conteúdo "era um jornal mais libertário e sem comprometimentos políticos, ideológicos. Era, evidentemente, contra a censura, contra a ditadura, sobretudo, mas não pertencia a nenhum partido. Era um jornal muito livre. O compromisso era o de resistir à ditadura. Neste sentido O SOL foi precursor".

Caetano Veloso estava recém chegado ao Rio tomando conta da irmã Maria Bethânia que aos dezoito anos substituíra a Nara Leão no show Opinião. Ele namorava a Dedé Gadelha da equipe d' O SOL e frequentava a redação. Na época ele compôs Alegria Alegria:
O Sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta noticia?
Por entre fotos e nomes, os olhos cheios de cores, o peito cheio de amores, eu vou.