Herr Victor Otto Marx

Herr Victor Otto Marx, um dos homens mais retos, dignos, de maior caráter que já conheci. Teve três filhos, um filho e duas filhas belíssimas com uma das quais me casei.

Filho de alemães, nascido em Minas Gerais, um patriarca da cidade que seus antepassados fundaram. Todos lhe ouviam, lhe pediam a opinião definitiva, uma lenda viva. Bonito, alto, muito magro, louro, olhos azuis brilhantes. Uma espécie de übermensch de Nietzsche nascido nas Alterosas.
Ainda menino, durante a segunda guerra mundial foi identificado pela agencia local da Wehrmacht como ariano puro. Seu Victor sempre se orgulhou disso, da sua raça, de seus valores. Assumiu todos os estereótipos germânicos.

Quando construiu sua casa na cidade a fez de tijolos aparentes. Simples? Nem tanto. Seu Victor escolheu um por um, os tijolos tinham de ser todos perfeitos, iguais, padronizados. As paredes tinham de ser tão retas quanto seu caráter. A casa custou o dobro.
Quando construía a casa de sua fazenda as fundações eram tão sólidas que lhe perguntavam se estava construindo uma casa ou um forte. Ele respondia do alto de suas convicções,
- A casa tem de durar a vida inteira, e mais um dia.

Herdou da família uma pequena fábrica cujo produto principal era tão bom quanto o original francês. Chegou a ter prejuízo, mas nunca baixou a qualidade. Seus herdeiros tentaram baixar custos, ele não permitia. Na fazenda suas vacas leiteiras eram tão selecionadas, tão bem tratadas, que era uma benção para elas morar lá.
Tive o privilégio de conviver com ele, de ouvir suas opiniões, de me divertir com suas idiosincrasias. Conhece-lo e a seus valores foi decisivo na minha opção de casar com a filha dele.

Quando decidimos nos casar segui as formalidades. Noivar primeiro, colocar aliança numa mão depois passa-la para a outra. No dia de fazer o pedido oficial, de pedir a mão da filha a seu Victor aconteceram duas cenas engraçadas. Estávamos na fazenda dele, éramos só os dois casais.
Minha futura sogra que sabia que gosto de cozinhar, eu inclusive já havia cozinhado para eles, decidiu me fazer uma surpresa,
- Sei que você gosta de comidas típicas regionais, preparei uma dobradinha. Gosta?
- Adoro!
Eu só havia comido dobradinha uma única vez, tinha ficado enjoado com o cheiro, tinha detestado, tinha vomitado. Mas fazer o quê? Era o almoço de noivado. Paris vale uma missa. Comi rápido, segurando o enjoo, controlando a ânsia. Quando minha futura sogra viu meu prato vazio sorriu,
- Vejo que você gostou muito!
E serviu tudo novamente.

Depois do almoço chegou a hora de formalizar o pedido. Estávamos todos na varanda, toquei no assunto, mãe e filha nos deixaram a sós. Ficamos ele e eu muito sérios, fiz o pedido, ele respondeu,
- Noto que vocês se gostam, eu aprovo, mas só lamento uma coisa. Você é um estrangeiro. Tive três filhos, os primeiros, os mais velhos se casaram com brasileiros, minha última esperança era esta minha filha mais nova. Eu já tinha até escolhido um alemão para casar com ela.

Eu ouvi calado entre espantado e perplexo. Eu, um estrangeiro? Já existia um escolhido?  Seu Victor concluiu,
- Infelizmente meus netos serão todos mestiços. Mas eu aprovo sim.
Sorriu, apertou minha mão, levantou-se, saiu da varanda, entrou na casa. Voltou com uma espingarda, desceu uns degraus e ali no pátio, bem na frente da casa deu, sorrindo de alegria, uns tiros para o alto.
Herr Victor, uma figura inesquecível.