O Salto Alto e a Inveja do Pênis

O salto alto deixa a mulher mais desejável, disponível, feminina.
Apesar de não serem exatamente benéficos para a saúde a solução para não precisar abandona-los é variar na altura intercalando os mais altos com os mais baixos para a musculatura não se acomodar. O segredo é não deixar o corpo se acostumar a um único tipo de salto e altura. Saltos entre sete e dez centímetros diminuem a pressão nas veias e melhoram a circulação. Além de deixar as pernas mais lindas o salto alto impede que elas fiquem inchadas. 
Mais altos do que isso, os matadores, devem ser reservados cuidadosamente para execuções a sangue-frio.

Saltos altos alongam, deixam mais esbeltas as pernas femininas. A alteração na postura força os seios para cima e levanta o bumbum. Saltos altos colocam a mulher num pedestal aumentando a autoconfiança. Andar nas pontas dos pés também é sinal de disponibilidade sexual entre outras espécies de animais. Sinais de disponibilidade e docilidade decorrem dos saltos altos chamarem atenção pelo balanço do corpo, pelos passos mais curtos. 

Andar de salto alto é uma arte delicada. 
Punta e tacco devem chegar suavemente ao chão ao mesmo tempo, por igual. Firmemente, decididamente, mas suavemente. E sem fazer barulho, este sim um pecado mortal tão grave que nem precisou ser descrito nas Escrituras. 
Os passos devem seguir sempre por cima de uma mesma linha imaginária. Como que seguindo por um trilho único. Devem ir se sucedendo sobre esta linha sedutoramente em direção ao objetivo. 
Atenção. É preciso muito cuidado por que esta aproximação majestosa pode causar sérios danos à saúde cardíaca dos menos preparados. 

É absolutamente imprescindível ter consciência que a mais simples calçada, o mais banal corredor é uma passarela. O salto alto não é feito para andar, é feito para pisar como se pisa em território conquistado. Sem arrogância, sem força, mas com dignidade de vencedor. 
Esta sucessão de passos cria um movimento nas pernas onde em cada passada elas se abrem e se fecham suavemente uma sobre a outra criando uma ondulação constante. Cada passo mostra e esconde o anterior numa liturgia de oferecimento e negação erótica.
Esta flexão constante provoca uma ondulação inebriante nos quadris. Um leve sorriso, ao final da caminhada, completa a aproximação letal em direção à vítima. Se ela ainda estiver viva é claro.

Apesar de serem objetos femininos os mais geniais criadores destas esculturas são homens. Quem mais senão os próprios homens estariam mais capacitados a esculpir os altares onde se sacralizam as mulheres? Charles Jourdan, Manolo Blahnik, Jimmy Choo e Christian Louboutin são os criadores dos mais requintados desses objetos de desejo. 
Louboutin foi ainda mais longe ao criar sua marca registrada, hoje disputada judicialmente por Yves-Saint Laurent. Além de criar belíssimas esculturas ele teve a ideia perturbadora de fazer vermelha a sola que toca ao chão. Os Louboutins além de serem essencialmente fálicos por seus saltos, passaram a trazer sensualmente sugerida a marca feminina do sangue. Afinal como ele mesmo diz sapato sexy é aquele que os homens querem arrancar. Ou serem pisados por ele.

Andando por Knightsbridge, pouco antes de chegar na esquina da Harrods, passei em frente da Charles Jordan. Olhando a vitrine vi um modelo magnífico. Fui atingido por um raio, mais até. 
Ainda tonto com a potencia da enorme descarga elétrica entrei na loja, fui até ao balcão e pedi à hostess o modelo. Ela reconheceu em minha voz trêmula a importância do pedido. Perguntou o número. Infelizmente não havia o tamanho para minha mulher. Inconformado com tamanha castração insisti desesperado. 
Mesmo sem internet, usando apenas o telefone, ela ali de Londres ligou para as lojas do continente. Tentou em Milão, Madri, Berlin e Amsterdam. Nada, não havia o tamanho. Eu já estava prestes a procurar uma farmácia, um médico, a emergência de um hospital, uma UTI, quando ela finalmente sorriu, me curou, 
- Há um em Paris!
Aliviado olhei enternecido para aquele anjo que vindo dos céus me estendia a mão à beira do precipício. Comprei em Londres um modelo que estava em Paris e que foi entregue diretamente na Alemanha. Uma operação logística digna da deusa que o iria calçar. 

Certo dia minha ex-mulher me pediu que fosse a um shopping center com nossa filha adolescente para lhe comprar um sapato. 
- Que tipo de sapato? 
- Um de salto alto. É o primeiro dela. 
Seria o primeiro salto alto de minha filha, me senti tremendamente honrado. Naquele momento minha ex estava me enviando duas mensagens, uma consciente, outra inconsciente. Primeiro ela me dizia que confiava em meu bom-gosto. Segundo ela admitia que ninguém melhor que a figura paterna para dar à filha seu primeiro símbolo fálico. Emocionado quase lhe pedi novamente em casamento. 

Num salto alto o pé da mulher parece menor, mais delicado como o da Cinderella, que além do fascínio do sapatinho de cristal tinha o pé lindo, delicado. Esta talvez seja a concentração máxima do poder mítico de um sapato. Levar uma mulher das cenders, das cinders, das cinzas, para os braços do príncipe. 
Historicamente a mulher começou a usar saltos altos logo após Adão e Eva serem expulsos do paraíso. Livro de Gênesis 3:14 : Deus ao castigar Eva disse que ela e a cobra seriam inimigas para sempre. “Ela esmagará sua cabeça e você picará o calcanhar da descendência dela”. Eva imediatamente subiu num salto alto.
Não confie numa mulher que não usa salto alto. Ela não é uma representação feminina resolvida. 

O salto alto retém a forma simbólica da penetração e do Falo. O falo é o mais poderoso e onipresente símbolo do imaginário humano. Um significante que está por toda à parte. Olhe em volta. 
Foguetes, totens, pelourinhos, lanças, cetros, cajados, bastões, bengalas, armas, obeliscos, canhões, chaminés, faróis, torres de tv, radar e telefonia, mastros com símbolos coletivos, grandes edifícios e last but not least as colunas da vitória. Cidades e países competem para ver quem tem o edifício maior. A arquitetura em geral é fálica, exceção rara a de Niemeyer que é feminina, curvilínea.

Gestualmente o homem agrega o Falo em sua linguagem cotidiana.
Com os dedos, a mão ou com o braço há gestos obscenos, ofensivos, de obediência, de honra ou de identificação coletiva. O braço levantado da saudação nazista, de origem romana, é certamente um dos mais representativos destes gestos fálicos. 
Leni Riefenstahl fez filmes antológicos onde explorou o fascínio estético de multidões auto-identificadas num mesmo gesto fálico de poder. Milhões de pessoas com este gesto tanto se submetiam ao líder quanto tragicamente abriam mão e transferiam para ele seu poder pessoal. 

Honra, verdade e confiança estão associadas ao Falo. 
O homem que recebe a honra de ser tornar cavaleiro, um Knight, se ajoelha submissamente diante do rei que lhe toca com a ponta de sua espada. 
A liturgia do rei transferindo poder e honra, transformando um homem comum em um de seus pares apenas com o toque de sua espada é significativo da origem fálica de seu poder e do modus de sua transferência. 
Jurar, testemunhar vem do latim Testemonium, derivado de Testi, testículo. Se hoje é costume jurar com a mão sobre a Bíblia já foi costume jurar com a mão sobre os testículos. Os homens juravam por seus pênis, empenhando a própria virilidade. 

Charutos, armas e carros esportes são essencialmente fálicos.
Jeremy Clarkson o excelente jornalista de automóveis da Top Gear na BBC testava um modelo novo da Ferrari. Terminado o teste esperava-se seus comentários sobre a potencia do motor, a estabilidade e outras qualidades da bella macchina, mas Clarkson foi direto: 
- Esta Ferrari é o melhor penis-extender que já vi.
Meu amigo Gui DG, grande músico e compositor de jazz acabara de receber sua belíssima e brutal Ducati vermelha, um ícone italiano de duas rodas. Depois da primeira interação ele disse: 
- Esta moto é um viagra vermelho! 

Freud identificou o Complexo de Édipo como um conjunto de sentimentos e afetos com componentes de agressividade, medo, paixões, amor e ódio. Este complexo de emoções é dirigido aos pais pelas crianças, entre cinco e sete anos aproximadamente e são suas primeiras manifestações de afetividade com conotação sexual. 
No menino o complexo se manifesta no amor pela mãe e pelo desejo de eliminar o pai, seu concorrente neste amor. 
Na menina o complexo se manifesta ao descobrir que lhe falta alguma coisa e que a mãe também não a tem. Ela então despreza a mãe e se dirige ao pai, depositário do falo e do poder. 
Aqui nasce a Inveja do Falo. 

Minha amiga Maria Claverías, de Barcelona, me confessou num acesso de sinceridade catalã, 
- Não tenho inveja do pênis. Tenho os que quiser! 
Uma frase perfeita de deixar Almodóvar totalmente arrepiado. 
Quando uma mulher exerce seu desejo recebendo o falo, ao mesmo tempo em que “come” o membro invejado, exaure e suga sua potência para dentro de si. Nessa apropriação simbólica de poder ela só o liberta quando ele está, pelo menos momentaneamente, impotente.

A agressividade da mulher, ao invejar o pênis, é dramaticamente mostrada por Nagisa Oshima em Império dos Sentidos quando no final do filme a amante corta a genitália do homem e sai com eles exibindo-os na rua. Comer, engolir e decepar o falo é mitificado no Kanamara Matsuri, o Festival do Falo de Aço, em Kawasaki no Japão. 
Três pênis gigantes são carregados pelas ruas em andores num cortejo que sai de um templo construído há mais de 150 anos no Período Edo. Os monges transmitem e perpetuam a lenda de um demônio perverso, de dentes afiados, que se escondia na vagina de uma jovem e que já havia castrado dois homens. Um ferreiro construiu então um falo de aço e com ele quebrou os dentes do demônio. Nem Freud conseguiria ser tão mitologicamente direto.

Lacan diz que a mulher não existe. Existem mulheres, mas não existe A Mulher.
No homem existe algo entre as pernas, nas mulheres não. Simbolicamente o homem é aquele que tem o objeto, a mulher é o ser que não o tem. O Falo ou a falta representativa dele são centrais na psique feminina. A mulher, não tendo um objeto que a represente, conseqüentemente no mundo simbólico ela não tem representação. Não existindo simbolicamente ela inveja o pênis.

O salto alto que deixa a mulher mais disponível, desejável e feminina em sua simbologia e formato é essencialmente fálico. Ele se confunde e interage com a inveja do pênis. 
Nesta substituição simbólica a mulher se apropria da mais essencial simbologia masculina. No plano mágico a mulher exerce a inveja do falo e compensa a falta do pênis. Como nos contos de fadas onde elas tinham suas varinhas de condão e delas emanava seu poder, assim como nas lendas das bruxas que voavam montadas em vassouras. 
No plano real as rainhas têm seus cetros, as mulheres usam tacos de golfe e chicotes de montaria. Mas estes são objetos fálicos que ela divide com o homem, não são exclusivamente seus. 

O salto alto é o único que pertence apenas a ela. É o Falo que lhe pertence, e apenas a ela, que preenche diretamente no seu corpo a ausência do anatômico.