Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo

Myrna Escreve.
Com o heterônimo de Myrna, Nelson Rodrigues manteve uma coluna no Diário da Noite de conselhos sentimentais, uma coluna de cartas com as leitoras que ele recebia e respondia. Dificilmente se encontra o humor do divino Nelson de forma mais destilada do que aqui. A graça começa no próprio nome do jornal que sugere uma contradição que obviamente inexistente não deixa de ser engraçada.

Nelson criou pseudônimos e heterônimos femininos de sonoridade tipicamente escrachada e suspeita que por si só já são uma piada, Suzana Flag, Maria Amélia, Kalipsus Lucy. Myrna que na ilustração do jornal usava uma tarja negra lhe cobrindo os olhos se apresentava como uma alma irmã, uma guia para mulheres desamparadas. 

Certamente a maioria das cartas era escrita pelo próprio Nelson para justificar suas respostas deliciosas. Ou você teria coragem de pedir conselhos sentimentais a este anjo pornográfico? Nelson tratava as leitoras com um carinho histriônico. Era meu anjo para cá, minha doce leitora para lá. Myrna resolvia problemas insolúveis dava conselhos baseados em seus alegados e profundos estudos da alma humana.

Muitas vezes Myrna era implacável. Uma dona-de-casa que lhe escreveu se dizia infatigável, esposa fidelíssima e econômica, mas que o marido tinha deixado de gostar dela. Myrna responde que o marido estava certo, que virtude assim imoderada passa a ser defeito e defeito dos mais graves. 

Há uma destas cartas-diálogo que é Nelson em seu estado mais puro. Uma overdose.
Uma leitora lhe conta que é casada e bem casada. Que tem uma bela casa, uma vida confortável, que nada lhe falta, que tem filhos equilibrados e um marido fiel. Ela diz que ama o marido e que é amada, mas que não é feliz.
O problema da doce leitora já é de ter ataques de riso. Myrna lhe responde com esta pérola rodriguiana:
Meu anjo, não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo.