Nada mais míope, mais provinciano, mais irritante.
O homem começou a se globalizar desde que saiu da África há 50 mil anos atrás para povoar o planeta. O comercio, as guerras, o estabelecimento de impérios, a curiosidade cultural e científica têm levado as sociedades a interagir desde sempre.
Vamos imaginar o seguinte cenário. Farol da Barra, Salvador, Bahia. A Bahia todo mundo conhece, nem que seja por fotografia como diz a Rita Lee. Esta americana, esta melhor tradução de Sampa. Mas montemos nosso cenário.
Farol da Barra, no mar um saveiro veleja tranquilo carregado de mangas. Em terra uma baiana de acarajés vende os próprios. Num restaurante ali próximo alguém come uma moqueca, um xin-xin de galinha. Na balaustrada da calçada um turista português desfruta da vista maravilhosa e imagina coqueiros ao longe na ilha de Itaparica.
Nada mais típico, nada mais local que tudo isso. Com exceção do turista tudo é familiar, tudo é local.
Nada é local. Absolutamente nada é local.
O Farol da Barra tem arquitetura colonial portuguesa.
O saveiro tem o formato trazido de Gôa, o leme é da China e a vela é uma vela latina do Mediterrâneo. As mangas vieram da Índia.
A baiana do acarajé naturalmente é descendente de africanos. Suas roupas típicas são brancas pelo fato de seus ascendentes escravos terem sido muçulmanos, convertidos pelos mercadores árabes que os comercializavam no Magreb. Seus colares representam os santos de sua religião que é uma mistura sincrética de crenças animistas africanas, do muçulmanismo árabe e da religião que surgiu de um deus judeu que nasceu na Palestina.
As fitinhas do N.Sr. do Bonfim que ela talvez lhe ofereça representam a distância entre os braços de uma imagem feita no Porto, Portugal. O próprio acarajé é o falafel libanês, feito de feijão. Feijão: Phaseolus Vulgaris da família Fabaceae provavelmente grego. Mas a suprema heresia, valei-me N.Sr. do Bomfim é o nobre vatapá: uma simples açorda portuguesa. É só trocar o azeite de oliva pelo de dêndê, só não troque a nêga bahiana que não pode parar de mexer.
No restaurante o xin-xin de galinha está sendo degustado. O azeite de dendê veio da África, o leite de côco veio da Indonésia e a galinha foi trazida da Ásia. Resta o turista português e os coqueiros. Bem, os coqueiros como se viu vieram da Indonésia.
Nada do que está nessa cena tão tipicamente local tem algo em comum umas com as outras. A única coisa que as liga é exatamente o português que as “descobriu”, que as espalhou mundo afora e que as trouxe para cá.
Exatamente ele, justamente ele. O globalizador.
PS.: Se por acaso nesta hora passar um trio elétrico ele estará tocando instrumentos franceses, africanos e asiáticos em cima de um veiculo criado na Europa movido por um motor alemão. Local mesmo só uma parte da galera que está pulando atrás dele, pois afinal só não vai atrás quem já morreu ou que está do outro lado, do lado, lado de lá.
E se por acaso, no meio desta festa italiana, depois de beber um bocado de líquidos tchecos, russos ou escoceses, você não resistir aos impulsos estudados por aquele austríaco e ficar com alguém não deixe de usar aquela proteção que tem nome de deusa grega, que os ingleses chamavam de french shirt, que os franceses chamavam de chemise anglais e que agora os chineses fabricam baratinho, baratinho. Aos milhões.
Segredinho: nesta cena aí de cima há algo realmente local, a sacanagem é tipicamente bahiana.
PS.: Se por acaso nesta hora passar um trio elétrico ele estará tocando instrumentos franceses, africanos e asiáticos em cima de um veiculo criado na Europa movido por um motor alemão. Local mesmo só uma parte da galera que está pulando atrás dele, pois afinal só não vai atrás quem já morreu ou que está do outro lado, do lado, lado de lá.
E se por acaso, no meio desta festa italiana, depois de beber um bocado de líquidos tchecos, russos ou escoceses, você não resistir aos impulsos estudados por aquele austríaco e ficar com alguém não deixe de usar aquela proteção que tem nome de deusa grega, que os ingleses chamavam de french shirt, que os franceses chamavam de chemise anglais e que agora os chineses fabricam baratinho, baratinho. Aos milhões.
Segredinho: nesta cena aí de cima há algo realmente local, a sacanagem é tipicamente bahiana.