Eu Quasi Robô

Tenho um amigo, psicanalista por sinal, que quando ouve que um dia as maquinas vão tomar o lugar dos homens, sempre responde: - Não vejo a hora de este dia chegar.
A dúvida é se esta visão fica por conta de sua admiração pelas maquinas ou se por stress profissional.

O fato é que os robôs estão cada dia mais presentes, cada dia mais precisos, cada dia mais eficientes. Queremos robôs o mais semelhantes a nós ou nos queremos o mais biônicos possível? As duas coisas estão acontecendo, mas qual o desejo fundamental?
É histórica a vontade humana de que alguém nos faça os trabalhos desagradáveis, perigosos e repetitivos. Fizemos escravos ao longo dos séculos.
Isso parece responder a pergunta.

Mas de fato nossa relação com a Robótica é mais sutil e mais profunda que o desejo natural de nos livrarmos do Trabalho. De nos distanciarmos da maldição primordial que nos foi lançada ao sermos expulsos do paraíso. Muito mais agonizante que “parirás com dor” é “viverás do suor de teu rosto”.
De lá fomos expulsos por estarmos à procura do Conhecimento, a prerrogativa primordial do Criador. E é com Ele que temos um ajuste de contas a fazer.

Hoje cada um de nós carrega no corpo algo artificial, algo biônico ou quase. Desde uma simplória prótese dentária a um sofisticado coração artificial. Há maquinas ou protótipos fazendo quase tudo que nosso corpo realiza. Dentro ou fora dele.
O claro objetivo é a substituição. Estamos cada dia mais próximos de sermos nós próprios os robôs.

Na relação tremendamente conflituada com o Criador ou tentamos displicentemente negá-lo ou dele nos aproximar o máximo possível. Certamente pelos mesmíssimos motivos.
Dependendo da religião ou dele nos aproximamos como iguais ou como servos completos. Algumas nos colocam em seu próprio lugar, noutras comungamos de sua essência. O fato é que ou através da ciência ou através da religião tentamos reproduzir suas mais evidentes características.
E na pratica estamos Quasi lá. Sem heresias.

Diferindo em forma e muito pouco em conteúdo é religiosamente consensual que Suas mais fundamentais características seriam a onisciência, a onipresença e a onipotência.
A onisciência e a onipresença estão quase ao alcance, e de quase todos. Basta assistir a um noticiário qualquer ou imaginar o aparato das agencias governamentais.
Olhe em volta: há algum device perto de você, nem que seja sua própria webcam. Apesar do inconveniente da perda de privacidade ninguém está disposto a perder este recurso.
Mesmo por que não há mais como voltar atrás.

A onipotência avança em progressão geométrica com o desenvolvimento científico das ultimas décadas. Apesar de ter a característica do Paradoxo do Coelho que em direção ao objetivo sempre dá um salto com a metade da distância que falta para chegar, mas que nunca chega lá.
Há alguns anos atrás quem falasse em mapeamento do genoma ou uso técnico do conhecimento do DNA, provocaria risadas. Hoje só não está feliz o cara que espera pela confirmação do exame de paternidade para dividir seu patrimônio.
A onipotência é relativa, mas há aqui também uma sensação de Quasi.

Apesar de fascinantes não são estas três características do divino que mais intrigam o Homem e nos empurram em direção à ciência ou à religião.
Não são elas que nos fazem hoje avançar tão rapidamente no domínio da Robótica.
Qualquer um de nós abriria mão facilmente deste invólucro da consciência. Deste amontoado repugnante de matéria orgânica em constante decomposição de que somos feitos. Este corpo onde mal se nasce já se começa a morrer.
Qualquer um de nós alegremente abriria mão dele por um biônico desde que nos fosse preservada nossa consciência, nossa identidade.
Por que o que primariamente nos move desde que começamos a olhar para as estrelas, o que nos guia no objetivo final da Robótica não é nem a dor de nascer nem a de viver. É a consequência delas duas.

É esta angústia, é este desejo primordial que nos levam a fazer que a Robótica faça de nós e não das maquinas seu objetivo final.