A Queda do Muro

A história contemporânea se divide entre antes e depois da Queda do Muro de Berlim.
O Muro dividia uma cidade, uma nação. Dividia simbolicamente um continente, separava o mundo em dois sistemas político-ideológicos, militares e econômicos.

O fim do mais poderoso ícone da Guerra Fria foi precipitado por um inacreditável erro de leitura numa entrevista coletiva à imprensa. Três décadas que mantiveram o mundo suspenso à beira de um apocalipse nuclear terminaram em forma de farsa.

Berlim Oriental, Quinta-Feira, 9 de Novembro de 1989.

16:00hs
Sede do partido Comunista em Werderscher Markt, Berlin Oriental.
A Alemanha Oriental enfrenta uma fuga crescente de pessoas através da Hungria. De lá os alemães cruzam para a Áustria e depois para a Alemanha Ocidental.
Para conter o êxodo uma nova lei será implantada.
Ela não abre o Muro, mas diz que qualquer pessoa com permissão de saída e passaporte pode deixar o país, temporária ou permanentemente, por qualquer ponto da fronteira com a Alemanha Ocidental.
A lei entrará em vigor no dia seguinte quando as permissões passarão a ser emitidas.
Egon Krenz lê devagar para que depois ninguém possa dizer que não havia entendido.
A lei é aprovada por unanimidade.

17:40hs
Gunther Schabowski, chefe do partido em Berlim, entra no gabinete de Egon Krenz.
Ele não havia participado da reunião, mas é quem vai anunciar a nova lei. Pergunta a Krenz se há algo mais a ser anunciado. Krenz diz que não e lhe entrega o texto do decreto.

17:55hs
Centro Internacional de Imprensa na Mohenstrasse.
Schabowski chega para a coletiva de imprensa pouco antes da 18hs. A sala está repleta de jornalistas e televisões ocidentais.

18:00 hs
A coletiva começa pontualmente. Schabowski leva uma hora falando de reformas administrativas e ministeriais, antes de tocar no assunto principal.

18:53hs
Schabowski lê o texto do decreto. Explica que se “tornará possível a todo cidadão deixar o país cruzando os pontos de passagem sem demora”, entre as duas Alemanhas.
Os jornalistas ficam surpresos. Dizem que não ficou bem claro, pedem mais explicações.
Schabowski não conhece bem o decreto. Está nervoso, sua muito. Os jornalistas pressionam.
Tom Brocaw da rede NBC americana pergunta,
- Quando a nova regra entra em vigor?
Schabowski inseguro remexe nos papéis à sua frente, olha o decreto, remexe outros documentos. Após uma pequena pausa, murmura um palavrão,
- Segundo me consta, isto é, humm...Imediatamente, sem demora.

19:04hs
A rede de notícias ADN transmite a leitura de Schabowski.

19:30hs
O programa Tageschau da TV alemã ocidental anuncia: A RDA abriu as fronteiras.

19:30hs
Um dos erros administrativos mais monumentais da história começa a ser noticiado e editado pelas agencias de notícias de todo o mundo.
O programa Today da ZDF noticia as novas regras. Compreensivelmente, a maioria das televisões da Alemanha Ocidental dão a notícia de forma hesitante.

20:00hs
A emissora ARD explode a notícia: Este é um dia histórico.
Hans Joachim Friedrichs âncora do noticiário, muito ouvido e respeitado dos dois lados da fronteira, precipita os fatos:
- A Alemanha Oriental está abrindo suas fronteiras, os portões do Muro de Berlim estão abertos.
Não estavam. Ainda.
Quando o noticiário termina uma multidão já está na Bornholmer Strasse.

21:20hs
Bornholmer Strasse.
O grande fluxo começa. Harald Jager, comandante da guarda de fronteira não tinha assistido à coletiva de imprensa. A multidão exige o direito de cruzar e grita,
– Schabowski disse que podemos.
Jager contacta seus superiores para checar. Ninguém confirma nada. A multidão pressiona para passar.
- Abram os portões.
O químico Rudigger Rosendahl lembra que ninguém queria emigrar naquele momento
- Nós só queríamos ver se podíamos passar, ver como era do outro lado.
Chega uma ordem para liberar a passagem para poucas pessoas. Entre 250 e 300 cruzam a fronteira.
Milhares ficam. O resto da multidão força o portão.

21:30hs
Checkpoint Charlie.
Cruzamento da Friedrichstrasse com Zimmerstrasse. O posto de controle fiscalizado de um lado pelos alemães, do outro pelos americanos.
Uma multidão de quase 2 mil pessoas se acotovela na rua estreita antes do posto. A estação do metrô nas proximidades despeja mais gente.
O coronel Gunther Moll comandante da guarda liga para o comando do Exército.
O major americano Bernie Godek do outro lado observa tenso seus colegas alemães.
- Parecia tudo normal eles permaneciam atrás da linha branca com os rostos impassíveis.

22:30hs
Bornholmer Strasse.
A multidão aumenta. Mais de 20 mil pessoas se espremem na região do posto de controle. Carros bloqueiam as ruas vizinhas.
Jager está cada vez mais preocupado.
Quando contacta seus superiores ouve sempre a mesma resposta. Eles mandam esperar.
- Eu só conseguia pensar em evitar um banho de sangue.Havia tantas pessoas que elas não tinham espaço para se mover. Se alguém perdesse a cabeça, se o pânico começasse elas seriam esmagadas.
O tempo passa.

22:45hs
Jager desiste de esperar. Ordena a dois de seus homens que levantem o portão vermelho e branco. A multidão da Bornholmer Strasse explode em aplausos. Jager faz um gesto largo,
- Passem.

23:30hs
Check Point Charlie.
O coronel Moll ainda não recebeu nenhuma ordem superior. Uma lâmpada explode. O barulho assusta um soldado. Ele se encolhe nervosamente, leva a mão à arma.
Gunther pressente que uma tragédia para acontecer.
- Recuem para trás do Muro, ordena aos soldados.
Do outro lado o major Godek se espanta,
- Ficamos totalmente surpresos, os guardas alemães recuavam, primeiro alguns, depois uma onda.
Durante mais alguns minutos o coronel tenta uma confirmação superior. Nada.
Moll se dirige à barreira e abre os portões por conta própria.
A multidão passa eufórica.

24:00hs
Fronteira Berlim Oriental - Berlim Ocidental.
Todos os seis postos de controle ao longo da fronteira já estão abertos. Uma multidão enorme se forma do lado ocidental do Muro.
De braços abertos, com flores, com champagne, recepcionando os irmãos do Leste. A festa cresce na Invalidstrasse.

00:15hs
Jovens orientais e ocidentais se reúnem no Portão de Brandenburg. Sobem no Muro e dançam em cima dele. Os grepos - guardas da fronteira - apontam uma mangueira. Um dos jovens abre um guarda-chuva.

O Muro caíra.
Doze mil grepos retornam aos quartéis.
- Nós, alemães, somos agora o povo mais feliz do mundo, disse o prefeito de Berlim. 

George Bush, o presidente americano, assistiu a queda do Muro pela televisão.
Ao ser chamada a CIA admitiu que “escabrosamente” não havia nenhum espião no local. Tudo que a CIA e a Casa Branca souberam foi através do noticiário da rede CNN.
Mikhail Gorbatchov, o líder soviético, só soube da Queda na manhã seguinte.
A embaixada russa em Berlim, cinco horas depois da queda, recebeu um chamado: O que está acontecendo com o Muro?
Helmult Kohl, chanceler da Alemanha Ocidental estava em Varsóvia quando o Muro acabou. Naquela noite comentando a possibilidade do Muro cair ele disse:
- Não, realmente acho que não. Isso vai levar muitos anos.

O Muro de Berlin acabara.
Não era para ter acabado nem naquele dia, nem naquela hora, nem daquela maneira. Um erro de leitura precipitou o fim do Mauerwall. 
Três décadas que mantiveram o mundo suspenso à beira de um apocalipse nuclear terminaram em forma de farsa.
Tudo que é sólido desmancha no ar - Karl Marx.