€ - Dez Anos do Euro

O Euro completou dez anos. 
Dezembro de 2001. Os cidadãos de 12 países europeus tiveram nas mãos, pela primeira vez, os euros que passaram a circular em 1° de janeiro de 2002. 

Para a Alemanha a moeda única trouxe um aumento enorme nas exportações para os países periféricos movida a juros baixos. 
Isso ajudou a equilibrar a situação do país que se endividava intensamente emitindo títulos do tesouro e injetando bilhões de euros nos cinco estados da parte oriental após a Reunificação. 

Para outros o Euro foi o ouro-de-tôlo de uma tragédia econômica anunciada que quase destruiu suas economias. 
Os problemas financeiros dos países do sul da Europa, especialmente da Grécia e de Portugal, têm razões profundamente domésticas. 
A introdução do Euro trouxe enormes oportunidades a esses países. 
A nova moeda apontava para a redução dos juros que eles pagavam pelos títulos públicos que emitiam em suas próprias moedas. 
O Euro era a benesse que iria diminuir o peso dos juros em seus orçamentos nacionais. 

Mas nem gregos nem portugueses usaram responsavelmente esta oportunidade: a enorme vantagem de terem automaticamente, da noite para o dia, uma moeda forte. 
Ao invés de realizar investimentos que promovessem o crescimento econômico eles aumentaram seus gastos internos. 
E custearam esse aumento de gastos através de  financiamentos.

Com os juros baixos proporcionados pela nova moeda, Estado, empresas e cidadãos correram a gastar loucamente, fazendo dívidas. 
Bancos novos surgiam, às vezes inaugurando 50 agencias na partida. Portugal chegou a contratar de uma só vez 150 gerentes financeiros de primeira linha no Brasil para gerir um novo banco.
Bancos eram inaugurados oferecendo altos créditos automáticos para quem abrisse uma conta.

A entrada destes novos recursos na economia gerou um boom econômico artificial, financiado por empréstimos. Isso elevou preços e salários acima de outros países europeus.
Estes países se tornaram caros e começaram lentamente a perder competitividade.
Com o dinheiro fácil recém chegado aumentaram as importações e diminuíram as exportações.

O mercado de imóveis entrou numa espiral inflacionária que criou uma imensa bolha imobiliária na Espanha. Nos outros países as bolhas se repetiram.
O mercado da construção civil cresceu vertiginosamente e quando a bolha estourou veio o desemprego e a falência das construtoras.
A Espanha chegou recentemente a promover em feiras internacionais o aluguel e a venda de seus guindastes e equipamentos de construção ociosos. 

Portugal chegou ao ponto inacreditável de desequilibrar sua balança comercial apenas com a importação de computadores pessoais. 
Manchete de um jornal de Lisboa há seis anos atrás: “PCs Desequilibram Balança Comercial Portuguesa”. A idade média da frota de automóveis portugueses chegou a ficar mais nova que a da rica Alemanha.
Na Grécia e na Irlanda as coisas não foram muito diferentes.

Quando as dívidas chegavam no limite os bancos reestruturavam e consolidavam as dividas pessoais através do refinanciamento do patrimônio. 
As pessoas seguiam o exemplo de seus governos. 
Famílias passaram a re-hipotecar suas casas em prazos ainda maiores para com o dinheiro extra saldar dívidas acumuladas em cartões de crédito e empréstimos pessoais.
Saldavam e voltavam a gastar. 
Hoje as prestações destes financiamentos imobiliários se tornaram impagáveis e os bancos estão tomando os imóveis.

Para os governos a bolha econômica de prosperidade desfez-se quando o mercado deixou de financiar os enormes déficits orçamentários nacionais sem cobrar taxas adicionais de risco.
Irlanda, Espanha e Itália ficaram, em diferentes medidas, na mesma situação da Grécia e de Portugal.

Popularizou-se o depreciativo acrônimo PIGS, para Portugal, Italy, Greece e Spain.
Apesar da excelente carne de porco local, Manuel Pinho, ministro português da Economia, protestou quando o Financial Times usou o termo em 2008.
Tarde demais, The Economist, Newsweek e The Times também já estavam usando.
Os terrivelmente maldosos ingleses preferiam a aproximação fonética pork and cheese.

Países de economia mais frágil como Portugal e Grécia estão em uma profunda crise estrutural que esta destruindo sua competitividade.
Em Portugal entre 2008 e 2009 o consumo de eletricidade, um dado significativo de saúde econômica, caiu 1,4%, sendo que na industria a queda foi de alarmantes 8,7%.
No ano passado, em 2011, o consumo caiu ainda mais.
Caiu 3,2%, numa queda ainda maior que a do PIB, o que significa que não apenas a atividade econômica diminuiu, mas que também as famílias estão menores, comendo menos, consumindo menos, iluminando menos e aquecendo menos suas casas no inverno.

Assim como as famílias estão entregando, perdendo ou vendendo seus patrimônios o Estado está fazendo o mesmo, vendendo ou privatizando suas estatais.
Tanto o patrimônio público quanto o privado estão pagando a conta da gastança.
Tanto o Estado quanto a população estão pagando a festa com o patrimônio.
Como bem analisa Vahine Corrêa, há também aqui uma crise de valores.

A solução monetária clássica seria fazer uma desvalorização da moeda nacional para que estes países se tornassem novamente competitivos. 
Evidentemente essa possibilidade não existe.
Eles já não têm uma moeda nacional. Dracmas e Escudos pertencem ao passado. 

O Euro foi uma oportunidade única que alguns países não souberam aproveitar. Preferiram o caminho fácil de gastar e se endividar catastroficamente. 
Governo, empresas e cidadãos. 
A conta chegou, a farra terminou. 

Não há uma solução fácil.
Ou suportar anos de crise, emigração e recessão nacional ou abandonar a Zona do Euro, voltar às antigas moedas, desvaloriza-las, declarar moratória e dar um adeus definitivo ao sonho de uma noite de verão.

Com um sarcástico e delicioso humor negro o presidente da Adidas, o alemão Herbert Hainer, afirmou no final de dezembro passado que a empresa “estaria preparada para regressar às moedas locais” de cada país caso fosse necessário.
Herr Hainer deve ser berlinense.