Beaconsfield, no Buckinghamshire, é um dos suburbs mais charmosos de Londres, bem no meio das Chilterns, próximo das Burnham Beeches. Há casas belíssimas, jardins de sonho, estradas suaves na paisagem idílica do countryside inglês, ondulações que se sucedem suavemente nas colinas Chilterns.
A exatos 35 minutos do Hyde Park pela M4 e M40 a vila surgiu por ficar exatamente a meio caminho entre Londres e Windsor. Ali no meio da viagem se fazia a troca de cavalos por outros descansados.
Além das casas há muitas mansion houses, manor houses, palácios, castelos e grandes propriedades, muitas delas históricas. A quantidade circulante de Astons, Bentleys, Ferraris e Rolls é altíssima. Além dos simples Jags, Porsches, Beemees, Mercs e não raros Lambos.
Bosques e mais bosques, estradinhas deliciosas com pequenas placas de transito para não poluir visualmente a paisagem. Pubs, inns, pontes, riachos e igrejas à beira das estradas.
Numa delas há uma passagem de patos. Como uma passarela para pedestres, sem as riscas brancas no chão, e uma placa com o desenho de um patinho.
Como todos respeitam, e os patos se condicionaram a cruzar por ali, eventualmente o transito para dos dois lados da estrada para uma pata atravessar acompanhada dos patinhos.
Muitas crianças vão sozinhas para as escolas seguindo pelas calçadas e atravessando as ruas no lugar certo. Ou então, como quase todos preferem, cortando caminho pelos bosques cujas trilhas são mais frequentadas que as próprias calçadas.
- Morning!
- And such a beautiful morning, is not?
Em alguns pontos de Beaconsfield, em Penn e Tylers Green, só há calçadas em um dos lados da rua para dar mais espaço para a grama, e não há iluminação pública pra as noites ficarem mais bonitas.
Burnham Beeches são um paraíso à parte.
Na chegada do outono, e depois por um longo período, o bosque vai gradualmente mudando de cor, assumindo as mais infinitas variedades de verde, marrom, amarelo e vermelho. Há momentos em que todas estas variações de tons e cores estão presentes ao mesmo tempo e um tapete vermelho amarelado se espalha por todo o chão.
A luz atravessa as árvores aqui e ali, ilumina espaços, se mistura e assume cores, cria focos e sombras teatrais. O silêncio se compõe suavemente pela bruma, pelo vento, pelo canto dos pássaros e por seus passos nas folhas secas.
É absolutamente deslumbrante. Fotos, cartões postais e wallpapers estão espalhados pelo mundo. Entrar, passear dentro deste cenário é uma experiência quase mística de tão profunda a beleza que lhe envolve.
A paisagem social também tem detalhes interessantes.
Além das famílias tradicionais há muitos casais jovens com filhos pequenos. As mulheres ficam em casa, sem trabalhar. É um comportamento relativamente novo e socialmente interessante.
Os casais formados em geral por dois profissionais muito bem sucedidos do centro de Londres resolvem ter filhos. Decidem se mudar do centro para Beaconsfield, comprar uma casa com um belo jardim e educar os filhos desde pequenos nas excelentes escolas públicas do lugar que estão entre as melhores do país.
A mulher interrompe temporariamente a carreira profissional para cuidar da casa e da educação das crianças, à moda antiga.
O marido vira um commuter indo e voltando diariamente pra Londres de trem. Durante toda a semana a bucólica estação da vila, no começo e no fim do dia, fica repleta de jovens executivos levados e trazidos por jovens esposas em carros caríssimos. Nos finais de semana eles cuidam juntos das crianças e naturalmente do jardim.
As mulheres criam interessantes mecanismos de convivência. O Tea Party acontece todos os dias durante a semana. Forma-se um grupo de mães na escola onde elas têm filhos de idades semelhantes. Cada dia uma delas ao final das aulas, no meio da tarde, recolhe todos os filhos das outras e os leva para casa. Lá ela preparou um tea party para os filhos e coleguinhas.
Durante o resto da tarde ela os entretêm com brincadeiras, jogos, chá, bolos e lanches. No final da tarde as outras mães aparecem, tomam um chá e levam seus filhos para casa. Pais e filhos exercitam uma convivência social agradável. Neste revezamento as mães têm muitas tardes livres para se cuidar e cuidar de casa e gastam apenas uma tarde para fazer um tea-party.
Uma criação simples e prática, como os ingleses.
Nos fins de semana as lojas locais de DIY (do it yourself) e de gardening ficam cheias do que o príncipe Charles a contragosto chamou de “um país de jardineiros”.
O hábito é tão arraigado que as professoras nas escolas pedem que cada criança tenha e cuide de sua própria planta no jardim de casa. Desenvolve a afetividade, a responsabilidade, o gosto e o respeito pela natureza. E perpetua os ingleses.
Os jardins são naturalmente impecáveis e você descobre que já está integrado ao meio quando um dia alguém lhe pede seu cortador de grama, emprestado. É um código definitivo. Se um vizinho se ausenta por alguns dias, os outros cuidam de sua grama.
Há também outras obrigações não escritas. Mesmo que não se tenha um gato, o que é que raríssimo, é preciso ter comida para eles servida e disponível em casa para os gatos dos vizinhos que eventualmente apareçam na sua casa.
Neste ambiente há um lugar muito especial para as velhas senhoras. Velhinhas inglesas são um patrimônio da humanidade, deviam ser tombadas pela ONU. Simpáticas, educadas, gentis, fofíssimas. No Bucks sempre se acaba encontrando um mordomo no estacionamento do supermercado colocando as compras na mala do Bentley de uma delas.
Neste meio de regras e códigos muito claros há um símbolo delicioso. O mais surpreendente deles. As Wellies sujas de terra. Botas wellington verdes de borracha, discretamente sujas.
Prosaicas donas de casa circulam em Land Rovers dos modelos mais rústicos e despojados. Não dos luxuosos mas dos rudes. Aqueles modelos mais coloniais.
Desfilam elegantemente, displicentemente, usando green wellies discretamente sujas da terra da Rainha. Provavelmente ela não tem uma propriedade rural maior que um jardim. Mas num país onde a propriedade da terra, normalmente associada a títulos de nobreza, é um sinal definitivo de nobreza, essas botas sujas de terra são um discreto símbolo de status.
Por conta da simplicidade inglesa, e do stiff upper lip, ela ou uma baronesa são indistinguíveis no supermercado.