Paul Bocuse é uma das maiores lendas da história da Gastronomia, criador da Nouvelle Cuisine, condecorado com a Legião de Honra por serviços prestados à França.
A Air France criou na década de 70 a cadeia de hotéis Le Méridien. No Brasil ela inaugurou dois, um no Rio outro em Salvador. Eles faziam parte da estratégia de criar uma infra-estrutura à altura de hospedar os passageiros do caríssimo supersônico Concorde.
Para criar as boates dos dois hotéis foi escolhida Regine Choukron. A Bocuse foi dada a missão de criar os restaurantes.
Para criar as boates dos dois hotéis foi escolhida Regine Choukron. A Bocuse foi dada a missão de criar os restaurantes.
Regine Choukron, dona da noite parisiense, que tinha boates em Paris, Nova York e Monte Carlo aqui criou duas Regine´s. Numa das inaugurações Charles Aznavour foi a atração. Ninguém menos que Danuza Leão comandava as boates, o que lhe valeu uma capa na Veja como A Grande Dama da Noite. Regine eventualmente dava os ares de sua graça.
As boites eram excelentes, caras e o público, sócios com carteirinha, rigorosamente selecionado. Perguntaram a Jorginho Guinle, ícone dos playboys brasileiros, se não achava um absurdo que uma simples coca-cola custasse dez vezes mais no Regine’s do que o preço normal.
- De jeito nenhum, acho ótimo. Assim os chatos ficam do lado de fora.
Os Le Méridien definitivamente não eram lugar para chatos.
Bocuse criou os restaurantes Saint Honoré dos hotéis. Ele havia criado a Nouvelle Cuisine que valoriza os sabores naturais, servidos em pequenas quantidades, em arranjos que davam aos pratos a aparência de jóias. Muitas vezes com preço de jóias.
No primeiro vôo do Concorde da Air France o menu foi assinado por Bocuse. Foi ele quem criou a Soupe Aux Truffes para um jantar presidencial no Champs Élysées, uma revelação divina de trufas negras que depois ficou conhecida como Soupe VGE, em homenagem ao presidente Valéry Giscard d’Éstaing. Bocuse na época já era uma estrela badaladíssima do jet set.
Em 1975 ele foi condecorado como Commandeur de la Légion D’Honneur, honra que a França reserva a seus heróis. Considerado o cozinheiro do século XX a biografia de Bocuse muito apropriadamente se chama O Fogo Sagrado. Um fogo tão intenso que ao ser acusado de poligamia Bocuse se defendeu,
- Sou fiel a três mulheres. Filósofo extremo de la joie de vivre ele diz que,
- Trabalho para viver 100 anos e festejo como se a morte estivesse a minha espera amanhã.
- Sou fiel a três mulheres. Filósofo extremo de la joie de vivre ele diz que,
- Trabalho para viver 100 anos e festejo como se a morte estivesse a minha espera amanhã.
Uma senhora deleitada com sua arte derramou-se em elogios, ao se despedir pediu-lhe o cartão de visita. Bocuse modestamente respondeu,
- Não tenho cartão. Meu nome está nos guias de culinária.
Bocuse completou mais de quarenta anos ininterruptos com três estrelas Michelin em seu restaurante L’Aubergue du Pont de Collonges, em Collonges-au-Mont-d'Or, uma façanha jamais conseguida por nenhum cozinheiro vivo. Ou morto. Nem mesmo pelo vaidoso Bernard Loiseau que se matou ao saber do boato que seu restaurante iria perdeu uma delas.
Este herói, este artista, esta força da natureza inaugurou os dois restaurantes Saint Honoré dos Le Méridien do Rio e de Salvador. Ele vinha ao Brasil periodicamente para fiscaliza-los, corrigi-los e trocar seus cardápios. Nestas visitas ele comandava jantares de degustação, com menus confidence, que inevitavelmente terminavam com os clientes emocionados aplaudindo de pé.
Numa dessas vindas a Salvador durante um jantar, em meio à degustação daquelas obras-primas um cliente baiamente pediu pimenta. Isso mesmo pimenta. Molho de pimenta daqueles de colocar em moqueca. Não havia claro.
O garçom se desculpa, diz que não há. O homem insiste. O garçom se desculpa. O maître aparece. O homem insiste. O maître delicadamente explica a natureza da degustação. O homem se enerva. Alvoroço. O homem insiste. Ele quer pi-men-ta. O maître tenta contornar a situação. O homem está irredutível, ele quer pimenta, ele está pagando. Pa-gan-do.
Bocuse aparece, surge da cozinha, se espanta com a confusão. Providenciam um tradutor, ele conversa com o homem. Mas o homem está pa-gan-do, ele quer pi-men-ta.
Enfurecido o monstro sagrado retirou-se ofendido do salão decidido a jamais voltar a pisar nas terras do Senhor do Bonfim.