A Fome na África

A fome na África também é um problema de Mercado.
O Brasil e os EUA são os maiores produtores mundiais de milho, trigo, soja e carne. Com mais de 210 milhões de bois o rebanho bovino brasileiro é maior que a própria população, há mais bois do que pessoas. A União Européia destina 40% de seu orçamento às subvenções agrícolas para enfrentar a eficiência e o volume da produção americana e brasileira. 

Produtos baratos contribuem para acabar com a produção local nos países africanos, essencialmente agrícolas, que não conseguem competir com produtos muito mais baratos. Sem acesso a sementes, fertilizantes, defensivos e tecnologia, a produção africana de alimentos entrou em colapso. Além disso de 20% a 40% da colheita agrícola costumam se perder pelas deficiências de transporte, armazenamento e processamento.
A eficiência, o volume de produção e os subsídios nos Estados Unidos, Brasil e Europa contribuem para inviabilizar a produção de alimentos nos países pobres da África. 

A carne de frango é um bom exemplo.
Há vinte anos os frangos em geral eram vendidos inteiros. Os hábitos mudaram e os países ricos passaram a consumir principalmente peito de frango e outras partes nobres. O excedente é exportado a preços baixos. Um quilo de frango congelado importado pode ser encontrado nos países africanos por cerca de 0,70 centimos de Euro, 0,92 centavos de Dólar, 1,70 Real.
Um quilo de frango produzido localmente na África chega a custar quase seis vezes mais: 4 Euros, 5,24 Dólares, 9,70 Reais. Isso arruinou não apenas os avicultores locais, mas também os produtores de forragem, os abatedouros e o comercio associado. 

Sem ter muito o que exportar para pagar por estas importações a África passa cada vez mais fome em um mundo que produz cada vez mais alimentos. A eficiência e a escala da produção mundial de alimentos ao invés de aliviar a fome, está contribuindo para aumenta-la no continente esquecido. Um mecanismo cruel do mercado que enriquece os ricos e empobrece os pobres. Uma contradição típica do sistema. 

Um continente de imensas terras férteis passa fome. Com a produção agrícola arruinada, uma imensa população pobre e terras baratas a África está no alvo de investimentos chineses. A FAO, Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, já fala de uma corrida às terras férteis, uma forma de neocolonialismo. A China teria obtido do Congo uma concessão de 2,8 milhões de hectares para implantar o maior palmeiral do mundo.
Na visita de Hu Jintao a Camarões em 2007 os chineses assinaram acordos onde passaram a ser os únicos estrangeiros que podem permanecer no país por 18 meses sem contrato de trabalho. O país teria se comprometido a receber 700.000 chineses. A China está literalmente comprando a África em contratos celebrados em alto nível, discretamente por trás de portas, com líderes africanos que assinam acordos sem consultar seus parlamentos. 

Para o continente esquecido e para os eternos parias da humanidade resta a fome ou a submissão.
Castro Alves que viu o Navio Negreiro voltaria novamente a se perguntar. Quem são estes desgraçados que não encontram na comunidade mundial mais do que um rir calmo ou a indiferença do mercado, que excita a fúria do algoz? 
São os filhos do deserto, onde a terra esposa a luz, onde viveram em campo aberto em tribo de homens nus, guerreiros ousados. Ontem simples, fortes, bravos, hoje míseros escravos, sem luz, sem ar, sem razão. Mulheres desgraçadas que sedentas, alquebradas, trazem com tíbios passos, filhos e algemas nos braços, na alma lágrimas e fel. Antes era o areal extenso, depois o oceano de pó no horizonte imenso, ambos desertos de fome, o cansaço e sede.
Depois era cair p'ra não mais s'erguer, numa vaga do mar ou num lugar na cadeia. 

Para preservar sua produção, investir no desenvolvimento agrícola e garantir o trabalho no campo os países africanos precisariam se proteger da concorrência dos produtos baratos vindos dos países ricos. Eles não têm força política para isso. Quando Gana falou em aumentar suas tarifas de importação o Banco Mundial e o FMI ameaçaram com congelamento de crédito. O governo de Gana recuou.
Ontem o tronco, hoje o lugar que lhes coube na Globalização.