Putin um Czar Contemporâneo

Em 4 de Março de 2012 haverá eleições na Rússia, Putin será eleito presidente e provavelmente indicará Medvedev como primeiro-ministro. Uma simples troca de cadeiras.

Na última eleição, mesmo num regime aparentemente democrático, ele nomeou seu sucessor, se impôs como primeiro-ministro e continua mandando no país.
Não é à toa que num dos telegramas vazado pelo Wikileaks do Julian Assange, a diplomacia americana chama a dupla de Batman e Robin. Uma forma bem humorada de se referir a quem manda de verdade.
Putin neste último período aproveitou para fazer o parlamento, dominado por seu partido único, o Rússia Unida, aprovar algumas modificações legais que vão lhe permitir se manter indefinidamente no poder.
Ele deverá se manter no poder até no mínimo 2024, com exceção de Stalin mais tempo que qualquer outro mandatário anterior.
Putin é um típico e perfeitamente acabado exemplo do Déspota Oriental.

Para as próximas eleições o irônico humor russo resume o espírito do país,
- Você vai votar em Putin?
- Não vou votar em Putin, e você?
- Estou cansado dos dois, vou votar em Putin.

Muitos se perguntam o quanto ele seria um czar moderno.
Se surpreender e perguntar se Putin reina como um czar é no mínimo ingenuidade e desconhecimento da nação e do povo russo. 
É muito simples e fácil generalizar o entendimento dos povos, olha-los todos pelo mesmo prisma e cair numa armadilha cultural.
Não atentar para as particularidades nacionais leva a enormes erros de avaliação e é muito perigoso principalmente se alguma análise estratégica estiver envolvida. 

Putin seria um czar moderno ou um ex-dirigente da KGB que se mantém no poder por que sabe tudo sobre todos?
Putin é principalmente um ex-apparatchik que representa a oligarquia corrupta e pseudodemocrática que assumiu o vácuo de poder deixado pelo fim da URSS.
Se a Rússia abraçou a democracia parlamentar e representativa como então haveria lugar para um líder autocrático?
A pergunta é mal feita por que parte do pressuposto, não verdadeiro, de que a Rússia é uma democracia.

Putin reina como um czar moderno dentro de um regime aparentemente democrático. 
Os Czares exerciam o poder autocrático num sistema imperial. 
Stalin os sucedeu e agiu de forma semelhante num regime comunista, como um czar vermelho.
Três regimes completamente diferentes. Três posturas idênticas. 
Quem os legitima? 
A alma do povo russo. 

A noção de nacionalidade é extremamente poderosa para um russo. 
A terra sagrada, a Mãe Rússia, é um componente popular, informal e populista da sagrada russidade e não corresponde à noção de nação moderna tal como a conhecemos.
Durante o assalto de Azov, na metade do século XVII, os cossacos sitiados pelos turcos cantavam que “nunca mais estaremos na Sagrada Rússia novamente...morreremos por seus ícones milagrosos, pela fé cristã, em nome do Czar e por todo o Estado moscovita”.

Na Rússia a noção de nacionalidade está secularmente fundamentada nos ícones, no governante supremo e no estado.
Rus, a terra sagrada, e o ser russky não se relacionam com a etnicidade, a língua ou a uma ideologia política. A identificação nacional é formulada pelos ícones, pela fé e pela figura de um chefe, de um pai supremo. Esta figura do grande pai é intrínseca na russidade.
É a figura do déspota oriental. Não há Mãe Rússia sem um pai onipotente.
Seja ele um czar, um primeiro-secretário do partido ou um presidente eleito.

As noções de nacionalidade variam muito.
O conceito moderno de nacionalidade é fundamento nos valores de Liberdade, Igualdade e Fraternidade da Revolução Francesa. 
Esta é a noção de Nação Consentida que se legitima pela opção deliberada de seus potenciais cidadãos.
Este conceito revolucionário de nação é certamente a maior contribuição francesa à História e resultou na formação da maioria dos estados modernos. 
Mas não da Rússia.

Esta noção de nação consentida se consolidou ou principalmente na formação dos novos países na América e na Oceania onde inclusive não se segue o jus sanguinis. 
Nestes países o conceito de nação e cidadania independe de raça, cor, religião, etnicidade e mesmo de língua. E de forma ainda mais radical, por exemplo, nos Estados Unidos e no Brasil.
Americanos e Brasileiros são aqueles que desejam sê-lo. Uma cidadania realizada por escolha pessoal. 
Aqui se vive o sonho libertário da Terra Prometida onde cada cidadão se constrói e é responsável por si mesmo. Aqui o livre arbítrio e a liberdade individual são o bem supremo. 
Nada poderia ser mais diferente de um russo.

Por isso às vezes é tão difícil entender a alma, a Mãe Rússia e seus Czares.
Brancos, vermelhos ou azuis.