A Reunificação da Alemanha e a Recessão na Europa

O mundo e a Europa inteira estão pedindo que a Alemanha tenha mais ação, mais intervenção, que abra os cofres para salvar o Euro e a economia do continente. Será que ela pode?
No meio de toda essa crise apocalíptica que está engolfando a União Européia e o Euro, há um assunto "maldito", politicamente incorreto, que tem sido convenientemente evitado por quase todos e principalmente pelo próprio governo alemão.

Independentemente da irresponsabilidade fiscal e orçamentária de boa parte dos países europeus, principalmente dos periféricos que já estão tecnicamente falidos, esta tragédia européia em boa medida tem um nome e um responsável primário.
A Reunificação Alemã.

Absorver a ex-Alemanha Oriental colocou a Alemanha, a locomotiva européia, em recessão. Assombrosas montanhas de dinheiro foram colocadas nos Neu Länder, os cinco novos estados. 
Em conseqüência a economia do país está estagnada desde o começo dos anos 2000 e tecnicamente em recessão desde o último trimestre de 2008.
Mais cedo ou mais tarde a recessão alemã poderia contaminar o continente.

A ilusória promessa de Helmut Kohl de que a Reunificação seria feita sem grandes custos agora está apresentando sua fatura.
Desde o dia zero quando cada Ostmark podre foi trocado por um valioso Deutsch Mark que o Bundesbank, o banco central alemão, para prevenir a inevitável inflação que o excesso de liquidez causaria teve de elevar as taxas de juros.
O Buba, guardião da moeda, ao elevar  a taxa de juros induziu a recessão.

Já em 2004 um time de consultores do governo alertou para o perigo iminente e para a inutilidade da estratégia econômica adotada na Reunificação. 
Liderados por Klaus von Dohnanyi, prefeito de Hamburgo, e por Edgar Most o próprio ex-presidente do banco central da antiga Alemanha Oriental eles produziram um relatório de 29 páginas.
O estudo Recomendações para uma Mudança de Direção no Desenvolvimento do Leste foi entregue a Manfred Stolpe o ministro responsável pela reconstrução da Alemanha Oriental.

O relatório chamava a atenção para que,

Apenas 60% dos alemães orientais em condições de trabalhar estava trabalhando. 
O desemprego no leste alemão já atingia 18%, mesmo desconsiderando os que estavam alocados nos programas de treinamento e projetos subsidiados. O numero real poderia ser mais que o dobro.
Extraoficialmente o desemprego atingia 60% em algumas regiões.
Faltavam mais de dois milhões de postos de trabalho.
O processo inicial de crescimento da parte oriental iniciado no primeiro momento tinha parado.
A economia oriental continuava desacelerando, aumentando a distância entre as duas partes do país.
Os profissionais bem treinados estavam migrando em massa para o lado ocidental à procura de melhores salários e melhor qualidade de vida.
A fuga para o lado ocidental continuava crescente, principalmente entre os jovens, causando um envelhecimento acelerado da população da parte oriental. 
A reunificação já estava consumindo 5% de toda a riqueza da Alemanha erodindo a base econômica nacional.
Repetindo: o relatório é de 2004.

Apenas como termo de comparação o pacote total de salvamento para Grécia está em torno de 109 bilhões de euros. O de Portugal ronda os 78 bilhões de euros.
Já nos estados do leste a Alemanha tem enterrado inutilmente, nos últimos anos, quase 100 bilhões de euros por ano desde 1990. Todos os anos.
Até 2009 já tinham sido gastos 1 trilhão e 300 bilhões de euros segundo o IWH - Institut für Wirtschaftsforschung – Instituto de Desenvolvimento Econômico, baseado em Halle.
Alguns analistas desconsiderando as manobras contábeis do governo acreditam que até agora o total passe dos 2 trilhões de euros.

A Febraban - Federação Brasileira de Bancos - mapeou a dívida dos países europeus de alto-risco em 42 bancos da região, incluindo 20 dos 25 mais representativos da Europa.
Tendo por base os balanços dos bancos e dados disponíveis na OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, no Financial Times e na empresa de pesquisa The Banker há uma dívida total de 845 bilhões de euros. 

Menos da metade do que já foi gasto pela Alemanha nos estados do leste.

Com o que já foi gasto até agora nos estados alemães do leste dava para comprar o total da dívida soberana da Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha e ainda sobrava cerca de meio trilhão de euros.
O montante enterrado na Reunificação equivale a cerca de 25% de toda a dívida soberana dos 17 países da União Européia que compõe a Zona do Euro. Inclusive as dívidas da França, Itália, Holanda, Bélgica, Aústria e da própria Alemanha.
O equivalente a um em cada quatro euros do total da dívida da União Européia está nos estados alemães do leste. Não é uma dívida cobrável, é dinheiro torrado sem retorno na Reunificação.
São números assombrosos.

A expectativa é que o lado oriental vai continuar drenando de 70 a 80 bilhões anualmente, pelos próximos anos. Quase uma dívida grega a cada ano.
É insustentável.

A estagnação alemã nos primeiros anos 2000 coincide com a introdução efetiva do Euro em janeiro de 2001. O Euro moldado no Marco alemão foi de certa forma calcado, controlado e definido pelo Bundesbank. 
O próprio Banco Central Europeu, guardião do Euro, fica em Frankfurt a algumas centenas de metros do Banco Central Alemão. Ao ser introduzida uma moeda única a maior economia do continente distribuía entre todos os demais países da zona as suas idiossincrasias.
Não foi à tôa que a Grã Bretanha preferiu continuar com a Libra.
Os efeitos danosos iriam demorar para se efetivar, mas economistas paranóicos enxergaram uma bomba de efeito retardado. E paranoia nunca é demais em se tratando da Alemanha e sua atuação na Europa.

Anos a fio os custos da Deutsche Wiedervereinigung sangraram a outrora sadia economia alemã. A Reunificação colocando em estagnação e depois em recessão a terceira maior economia mundial e motor do desenvolvimento europeu poderia arrastar o continente a um impasse. 
Os gastos com a Reunificação de certa forma levaram a Alemanha a fechar os olhos para a farra orçamentária irresponsável que seus vizinhos pobres vinham fazendo, talvez induzidos pelo exemplo da gastança germânica no leste.
Mais que solução a Alemanha é parte central do problema.

A conta chegou.