Cul-de-Sac, o Humor de Polanski.

Revi Cul-de-Sac um cult do Roman Polanski.
Cul-de-Sac é beco-sem-saída em Francês mas foi traduzido no Brasil para Armadilha do Destino, provavelmente por conta de uma leitura mais "psicológica" do distribuidor local. Coisa dos anos sessenta. Na época os críticos enxergaram as mais diversas leituras, de thriller a drama psicológico. Cul-de-Sac é uma comédia.

Uma das excelentes comédias do Polanski. Tanto quanto The Fearless Vampire Killers, or Pardon Me, But Your Teeth Are in My Neck – Os Destemidos Matadores de Vampiros, ou Perdoe-me, Mas Seus Dentes Estão em Meu Pescoço – que no Brasil ficou como A Dança dos Vampiros. Jack MacGowran trabalhou nos dois filmes, aqui em Cul-de-Sac ele faz o Adie, impagável nas primeiras cenas.
Tarantino disse a respeito de sua obra que se tivesse de escolher em qual prateleira de videoteca a colocaria escolheria a das comédias. É mais ou menos por aí, apesar de Cul-de-Sac não ter nem de longe os níveis de violência tarantina.

Cul-de-Sac é uma comédia Polanski. Um ping-pong de diálogos engraçados, sutis, a maioria das vezes non-sense entre Lionel Stander, Donald Pleasence e Françoise Dorléac. Todos três excelentes sob a batuta do Polanski. A Jacqueline Bisset faz uma pequena participação.
Lionel ficou conhecido pelo Nasce Uma Estrela e depois pelo mordomo que fez na série de TV Casal 20. Françoise, pelo menos para mim, é muito mais sexy e mais bonita que a irmã Catherine Deneuve, surtout sa derriére est plus belle. Donald ficou muito conhecido por conta do Blofeld, o adorável vilão nos filmes de James Bond. 

Abre parênteses para o Blofeld.
Blofeld é o único vilão da série 007 que tem carteira de identidade. Ernst Stavro Blofeld nasceu em Gdingen na Pomerânia, Alemanha, hoje Gdnya na Polônia, no dia 28 de Maio de 1908, filho de pai polonês e mãe grega, quando a cidade ainda era parte do Império Alemão.
Gdnya nasceu polonesa em 1253. Em 1772 foi tomada pela Prússia. Em 1872 foi anexada ao império alemão. Em 1920 após o tratado de Versalhes voltou a ser polonesa. Passou a ser Gotenhafen, alemã, no período nazista de 39 a 45 e voltou a ser Gdingen quando a guerra terminou. Quando a Alemanha perdeu parte do território da Pomerânia para a Polônia a cidade voltou a ser Gdnya e polonesa.
Sendo pomerânio, uma espécie de alemão de quinta categoria – depois de alsacianos, saxões, silesianos e suábios – perseguidos pelos nazistas como sub-alemães, nascido numa cidade volátil como aquela, filho de um polonês com uma grega, não admira que o pobre Blofeld tenha se tornado tão malvado.
Blofeld, apesar de ter nascido na baía de Gdansk, não era nem um pouco conhecido por sua solidarność, digo solidariedade. Pobre criança, só os gatos persas lhe aceitavam.
Fecha parênteses do Blofeld.

Cul-se-Sac se passa nos arredores e no castelo Lindisfarne na ilha de mesmo nome em Northumberland na Inglaterra. Sir Walter Scott, autor de Rob Roy e de Ivanhoé, morou lá e fez para ela o poema Holy Island. Aqui há uma das piadas deliciosas do Polanski, um trocadilho em inglês de hole com holy, quando o Lionel pergunta ao Donald como ele aguenta morar num buraco como aquele. Há mais, vale à pena ver um modestíssimo Morris Minor de auto-escola roubado pelo Lionel estragar a lateral do Jaguar vintage do Donald. Ou ver uma família parvenu chegar num Jaguar novinho.

Há mais ainda. Quando o Lionel, que é americano, não consegue pronunciar Madam apropriadamente e diz “mádam” ao invés de “mamm”, alguém se horroriza e diz: - Mas ele é um yankee! Nesta altura da trama ele, que estava tentando se passar por mordomo, responde que foi contratado apenas para cuidar do jardim. Ou quando Lionel pergunta a Donald se ele herdou ou comprou o castelo (*). Ou quando uma família inglesa é apresentada com o irônico sobrenome de Fairweather.
Há mais muito mais, fique com o controle na mão para segurar no pause enquanto se refaz de tanto rir.

(*) Quando Tony Blair se tornou primeiro ministro uma lady comentou horrorizada: - Imagine que ele precisou comprar os próprios móveis!