Túnis fica à beira do Mediterrâneo em frente da Itália e da França no norte da África. Tem o mesmo clima da Cote D’Azur, a mesma cor turquesa no mar e uma fascinante mistura de culturas árabe e francesa. Tem as duas línguas, as duas culturas.
Além disso Túnis tem algo muito, muito especial.
A cidade é cercada por um cinturão de cultivo das mais diversas flores para produção das essências que abastecem as industrias locais e francesas de perfumes.
De dia sopra um maral, do mar para a terra, e nos fins de tarde o vento se inverte para um terral vindo da terra para o mar. Como o Sahara ocupa quase metade do país o vento da tarde vem diretamente do deserto em direção à cidade. Um vento quente e seco que antes de chegar a Túnis passa pelas plantações de flores trazendo seus perfumes.
No fim de tarde a cidade é tomada por essa brisa inebriante que sopra durante toda a noite até ao amanhecer, perfumando toda a cidade. A sensação é quase sufocante, entontecedora. Este começo da noite em Túnis além de perfumado é muito festivo pelo ruído ensurdecedor dos milhares de pássaros que trinam ao mesmo tempo, logo após o por do sol, na avenida central Habib Bourguiba. Sorri, lembrei de Shakespeare, de Gonzalo comentando o casamento de Claribel com o Príncipe de Túnis.
Estas noites de calor, sons e perfumes inspiraram a música A Nigth In Tunísia do Dizzy Gillespie.
Estas noites de calor, sons e perfumes inspiraram a música A Nigth In Tunísia do Dizzy Gillespie.
Eu estava saindo de uma palestra no Hotel Abou Nawas e voltando para o Afrique Méridien na avenida Bourguiba, onde estava por uma semana. Noite muito clara, límpida, cheia do perfume de Túnis. Minha primeira noite no Magreb, minha primeira noite na África. Fiquei imaginando como o Dizzie devia te-la sentido ao fazer o jazz que gosto tanto.
Como os dois hotéis são próximos, resolvi aproveitar a noite morna e enluarada para caminhar de volta ao meu. Caminhando pela calçada alcancei um velhinho. Um fedayin. Ele não usava a kafia branca dos sauditas nem a branca e vermelha dos outros árabes. Usava a branca de riscas pretas dos palestinos. Quando o alcancei acertei meu passo ao dele. Nos olhamos, nos cumprimentamos, puxei conversa. Ele não falava francês como quase todo tunisino, só árabe. Sendo assim decidi falar em português.
E assim fomos conversando por muito tempo cada um falando sua própria língua. Ele na dele, eu na minha, ele em árabe eu em português. Olhávamos as estrelas, a lua, falávamos de muitas outras coisas. Fomos caminhando como dois conhecidos.
Subitamente surge do outro lado da avenida um rapaz fazendo gestos para nós, falando em francês. Impaciente ele atravessa a avenida se aproxima de nós, me pergunta se o palestino estava me incomodando, me pedindo alguma coisa.
- Non monsieur.
Expliquei que estávamos passeando e conversando. O rapaz se volta para o velhinho em francês, o velhinho responde em árabe, os dois conversam em árabe.
O rapaz se volta para mim,
- Mas ele não fala francês, você fala árabe?
- Não, infelizmente não.
- Se nem você fala árabe nem ele fala francês como é que vocês estavam conversando?
- Com o coração. Pergunte a ele se não estávamos falando sobre o perfume da noite de Túnis, destas estrelas, de nossos filhos, de onde eu sou, de onde ele é.
O rapaz faz algumas perguntas ao velhinho, se volta para mim espantado,
- Incrível ele confirmou tudo. Precisamos comemorar este milagre.
Paramos em algum lugar e o rapaz, que era estudante de Medicina, disse que só voltaria para casa naquela noite depois de me ensinar meia dúzia de palavras em árabe e de aprender outras tantas em português. Nos divertimos muito e depois de muitas comilanças e de beber muita água voltei para o hotel e dormi minha primeira A Night In Tunísia.