Fred Flintstone e Karl Marx

O livro Sex at Dawn, Sexo na Alvorada, do americano Christopher Ryan e da moçambicana Cacilda Jethá trata da promiscuidade generalizada na Pré-História. Para eles isso afetaria o comportamento sexual humano até hoje. Escrito em linguagem popular, o livro virou best-seller. Na verdade essa pretensa "promiscuidade" há muito foi estudada por Friedrich Engels e Karl Marx em A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, um livro de antropologia básico, fascinante e simples de entender.

Os autores do best-seller simplificam e explicam a Monogamia pelo fato do bebê humano depender dos pais por muito tempo. Isso explicaria a formação de pares monogâmicos. Tipo assim, a Wilma precisava do Fred para cuidar da Pedrita. Na verdade a monogamia faz parte do processo histórico que levou o Homem a sair da barbárie em direção à formação do Estado.
Atenção meninas, tecnicamente, sociologicamente falando um homem fiel é um homem civilizado, enquanto aquele sujeito que te fez chorar não passa de um bárbaro. Esquece esse troglodita, desliga essa música horrorosa.
A dupla de alemães, que nem eram marxistas, se baseou nos estudos do antropólogo americano Lewis Henry Morgan. Eles dividiram o processo que nos trouxe até a Civilização, do Fred Flintstone até o Brad Pitt em três etapas. Estado Selvagem, Barbárie e Civilização.

Estado Selvagem
Na fase básica o homem vivia em árvores, comendo frutos e raízes disponíveis e já estava começando a falar. Na fase média ele começa a pescar, cozinhar e acrescentar carne vermelha na dieta. Já tem até uns instrumentos toscos de pedra sem polimento, ocupa novas áreas, produz as primeiras armas como clava e lança e é antropófago. Na fase superior ele já tem arco e flecha, residência fixa em aldeias, domina o fogo e já está polindo seus instrumentos. 
Na fase de transição do estado Selvagem para a Barbárie formam-se as Gens, núcleos baseados em vínculos de parentesco e Clãs, com descendência comum de um antepassado, formando as primeiras comunidades. Aqui a predominância é absolutamente feminina, a mulher é a dona da casa, a família é matriarcal. A economia é apenas doméstica e o uso da propriedade é comum a todos.

Barbárie.
Na fase inferior da Barbárie aparece a cerâmica, a domesticação e criação de animais e o primeiro cultivo de plantas. Nascia a agropecuária. A coisa se organiza mesmo em torno das necessidades da cozinha e a Wilma mandava mesmo. Pela primeira vez a fome estava afastada com o aperfeiçoamento de técnicas agrícolas e do arado puxado por animais. Fred já começa a pegar no pesado.

Na fase média da Barbárie acontece a primeira grande divisão do trabalho. Fred vira pastor, Wilma fica em casa e Fred passa a dianteira nela. Ele agora tem gado, a primeira propriedade da História, e gado é “dinheiro”. O cara tá ficando poderoso.
Agora começa a haver o uso de prisioneiros de guerra para aumentar a produção, em conseqüência a sociedade se divide entre senhores e escravos. A Família Individual se torna um poder e prevalece sobre a Gens. Também começa o uso da irrigação, do tijolo cru e da pedra nas construções. A galera também para de comer gente, larga meu braço pô!

Na fase superior da Barbárie começa-se a fundir o ferro, usar moinhos movidos à mão, usar carroça, carros de guerra, espada, arado e machado de ferro. Aqui começa a preparação do azeite e do vinho. Da culinária básica passou-se à gastronomia regada a vinho. A farra estava começando. Fred começou a chegar tarde, Wilma começou a implicar com o Barney.

Com tantos novos instrumentos e atividades aconteceu a segunda grande divisão do trabalho. Alguns ficavam na Agricultura e outros nas Artes e Ofícios. Aqui começa a nascer uma nova divisão de classes na sociedade: ricos e pobres. Começam os problemas com a vizinhança, entre os bem de vida e os não tão bem assim.
Inicia-se a transição para a propriedade privada e para a família individual como unidade econômica. Aqui aparece a invenção do alfabeto e da escrita. Infelizmente começam as fofocas, as cartas anônimas, uma barbaridade só. Esta fase toda também é conhecida pelos historiadores como fase Heróica, só deus sabe por que.

Mais ou menos por aqui começa a transição da Barbárie para a Civilização com a criação de órgãos específicos da sociedade gentílica, escolha de um chefe militar, formação de um conselho e assembléia do povo. Havia uma espécie de democracia militar, com eleições internas dentro das famílias gentílicas. A guerra aqui vira um ramo de negócios, um business de conquistas territoriais e saques.

Civilização
Ufa, finalmente chegamos à Civilização, como diria o Indiana Jones. Agora surge a terceira divisão do trabalho com o aparecimento dos comerciantes. Aquele pessoal que nem produz nem consome, fica ali no meio rindo à toa. Neste momento surgem as grandes riquezas, a influência e o predomínio dos não-produtores sobre os produtores. Surgem o dinheiro, o empréstimo, os juros e a transferência de terras.
Se foi a guerra que nos levou ao processo civilizatório, a Civilização se consolidou com a concentração da riqueza, dos empréstimos e da transformação daquela democracia espontânea em uma Aristocracia.
Mas isso qualquer celebridade, qualquer socialite sabe, não existe civilização sem gente fina. Não era preciso um antropólogo americano e dois filósofos alemães famosos queimarem tanto as pestanas. Marx e Engels definitivamente não liam a Caras.
Bem a essa altura Fred e Wilma já saíram há muito tempo da História e estavam procurando trabalho na Hanna-Barbera.

A Familia.
A família, ah sim a familia. Foi mais ou menos assim, existiram quatro tipos, da farra total e absoluta até o unidos para sempre.
Primeiro houve a familia Consangüínea, no estado Selvagem. Havia união entre irmãos, irmãs e primos, mesmo por que era difícil e irrelevante determinar quem era quem, mas com proibição de relações sexuais entre pais e filhas e entre mães e filhos.
A segunda foi a família Punaluana, ainda no estado Selvagem, que se originou na proibição de relações sexuais entre irmãos.
A terceira foi a família Sindiásmica, no estado de Barbárie, onde se estendeu a noção de incesto para irmãos e irmãs colaterais. Nada de priminhos rondando a casa.

Bem agora já dá pra chamar as crianças de volta pra sala. Finalmente aconteceu a quarta formação familiar, a Monogâmica, a família patriarcal da era da Civilização. Já era quase um Father Knows Best.
Agora pasme: é nesse momento que surge o Ciúme, por motivos absolutamente socioeconômicos.
Pasme mais ainda: o Amor Romântico só vai aparecer uns quatro mil anos depois. Banda brega nem pensar.

O casamento monogâmico transformou a Família Nuclear na unidade econômica básica da sociedade. Nela a mulher e seus filhos se tornaram dependentes de um único homem. A descendência mudou então da linha materna para a paterna. A separação da família do clã e a instituição do casamento monogâmico foram conseqüências sociais da propriedade privada em desenvolvimento. A monogamia fornecia os meios para a propriedade ser herdada individualmente, incontestavelmente.

Como os homens eram donos dos instrumentos de trabalho, o conflito entre a nova noção de família e a da Gens virou um conflito entre o direito materno e o direito paterno. Segundo Engels “dessa forma as riquezas, à medida que iam aumentando, davam ao homem uma posição mais importante que a da mulher...e faziam com que nascesse nele a idéia de valer-se dessa vantagem para modificar, em proveito de seus filhos, a ordem da herança estabelecida”, mudando o reconhecimento da descendência da linha materna para a paterna. Simples assim.

Estado
Ele surge da necessidade das sociedades nascentes conterem as oposições e conflitos internos para se organizarem de forma perene e estável. O Estado é um produto e uma necessidade da sociedade quando ela chega a um determinado grau de desenvolvimento. Um poder situado acima dela própria para amortecer conflitos e mantê-los dentro dos limites da ordem estabelecida, qualquer que seja ela.
O Estado nasce da dissolução da sociedade gentílica fundada sobre o vínculo familiar e marca a passagem da Barbárie à Civilização. O Estado foi a nova e revolucionária instituição que assegurou que as riquezas individuais e as novas formas de aquisição da propriedade pudessem ser mantidas e acumuladas. Ele é fruto e conseqüência da propriedade privada. Junto com o Estado nasciam, de forma organizada e institucionalizada, o Direito e a Lei para mantê-lo e preservá-lo.

Voltando ao ponto. A farra inicial, a tal promiscuidade, não terminou nem o casamento monogâmico começou porque a Wilma precisava muito do Fred para cuidar da Pedrita. Como disse o Bill Clinton no slogan da campanha de 1992 contra George Bush, 
- It's the economy, stupid!