Beta e Jorge. As pessoas do nordeste do Brasil são conhecidas por sua hospitalidade e solidariedade. São duas características com raízes sociológicas interessantes.
Mas aqui há uma história privada que tem mais a ver com o caráter pessoal do que com qualquer característica regional. É de longe a maior manifestação de solidariedade que conheço, principalmente por conta da relação entre os envolvidos.
Beta e Jorge. Ela é uma executiva e sócia de uma empresa que já foi considerada algumas vezes como a melhor do país. Ele apesar de engenheiro é funcionário do banco central brasileiro, culto, inteligente, excelente humor. Ambos de famílias tradicionais, ambos simpaticíssimos, ambos dos mais agradáveis anfitriões que conheço.
Os dois viajam ao máximo, têm filhos morando no exterior, adoram fazer turismo.
Um dia ele recebe um telefonema. Era um homem que ele tinha conhecido rapidamente em Londres numa de suas viagens, há mais de quinze anos. Coisa rápida, ocasional, eventual.
No telefonema eles trocam palavras simpáticas, falam de assuntos genéricos, como não podia mesmo deixar de ser para quem tinha se conhecido rapidamente numas férias há tanto tempo atrás. Mas o homem tinha uma história surpreendente e um pedido inusitado.
Ele estava na fila de espera para fazer um transplante. Por morar no Rio a fila era longa, as doações eram raras, a espera prevista para alguns anos, mais tempo do que seu organismo poderia suportar. Ele estava no limite.
O homem tinha um detalhe para contar e um pedido a fazer.
O detalhe é que ele havia descoberto que a espera para transplantes em Recife era muito menor do que no Rio e já havia se inscrito na fila de espera. Ele acreditava que faltava pouco tempo para ser chamado. Mas pela própria natureza das cirurgias de transplante ele precisava se mudar de cidade para esperar pelo momento exato e urgente entre a retirada do órgão do doador e a cirurgia do transplante.
O problema era que ele não tinha onde ficar em Recife para esperar pelo momento de ser chamado. Momento incerto, naturalmente sem previsão, que poderia demorar bastante. Mas ele precisava estar próximo do hospital onde seria feita o transplante.
Jorge não esperou pelo pedido, antes do homem completar ele concordou imediatamente.
O homem veio. O homem se mudou para a casa de Beta e Jorge.
As semanas se passavam lentamente. O humor de Jorge foi fundamental na situação angustiante e bizarra de esperar que alguém morresse, fosse doador e compatível. Durante esta longa espera a namorada do homem veio visitá-lo e naturalmente se hospedou na casa de Beta e Jorge.
Como o homem não podia sair de casa, à espera de um amigável defunto, o casal não apenas o mantinha em excelentes condições físicas, mas naturalmente entretinha aquela figura permanente, onipresente na casa. Um desconhecido, um hóspede sem tempo previsível de permanência, à espera de um defunto solidário.
Imagino que esta convivência permanente, os diálogos, esta espera, o bizarro e o non-sense de toda essa situação dariam um filme excelente. Mas não era um filme, estava acontecendo em Casa Forte.
Um belo dia chega a alegre notícia da morte de um doador. Como tudo estava preparado foi rápido chegar ao hospital. Começava a segunda etapa. A vida do homem dependia dos médicos. Correu tudo bem, o transplante foi um sucesso.
Agora começava a terceira etapa: torcer pela não rejeição do órgão transplantado. Os amigos de Beta e Jorge visitavam o homem no hospital. Os dias se passaram, não houve rejeição.
Faltava a quarta e última etapa. A convalescência.
O homem voltou naturalmente para a casa de Beta e Jorge. O casal fez algumas reuniões com amigos para comemorar o sucesso do transplante. Algumas semanas se passaram, mais alguns parentes do homem vieram se hospedar na casa do casal.
A convalescência terminou, muitos exames foram feitos, a vida do homem estava salva.
Neste ponto a história que já ficou divertida acabou tirando o foco da questão principal. Solidariedade.
Um casal hospeda um desconhecido por meses em sua intimidade, cuida dele, lhe insere em seu círculo de amizades, luta por ele e salva sua vida.
Uma honra ter Beta e Jorge como amigos.