Francisco de Oliveira Ferro.
Ferro, mais simplesmente, foi um tio que tive há até umas semanas atrás. Cearense, duro, macho e determinado, ele era erroneamente conhecido por sua intolerância.
Muitas vezes ele foi rude e áspero, mas ele era muito mais que isso. Ferro era uma figura muito complexa para ser rotulado assim superficialmente. Ferro na verdade foi um ser humano muito culto e fascinante.
Estávamos no malfadado (pelo menos para minhas primas) bar Garagem, na Boa Viagem em Recife, tomando uns refrigerantes. E cervejas não o são? Refrigeram mesmo.
A certa altura notei a falta de um garçom, uma rapaz jovem e simpático que sempre nos atendia com muita gentileza.
- Cadê fulano? perguntei.
- Não trabalha mais aqui. Ele casou e como foi morar longe arrumou outro emprego.
- Casou? Quem é a mulher?
- Não é mulher é um homem, o namorado dele. Um sujeito super gente boa.
Ferro disse isso com uma simplicidade e uma naturalidade como se fosse a coisa mais normal do mundo os homens saírem por aí se casando uns com os outros.
Apesar dele se dedicar alegremente ao esporte nacional pernambucano de falar da vida alheia, Ferro era com certeza da filosofia viva e deixe viver.
Nos primeiros dias após o golpe militar de 64 foi com sua carteira de identidade que Diógenes de Arruda Câmara conseguiu escapulir das forças da ditadura que o procuravam no Nordeste. Um risco incalculável, uma dívida impagável.
Médico sanitarista ele foi o responsável na Organização Mundial de Saúde pelo controle da malária na America do Sul. À frente do ministério da saúde brasileiro ele efetivamente a conseguiu erradicar durante o período em que assumiu esta responsabilidade no Brasil.
Pragmático, quando era estudante de medicina e interno na Tamarineira, o hospital psiquiátrico público de Recife, numa noite já cansado do plantão ele foi dormir e encontrou um "louco" deitado em sua cama. Ferro deitou-se na cama ao lado e ficou conversando com o paciente. Na boa.
Quando conheceu a mulher com quem se casou e viveu até que ela se fosse ele me confessou:
- Era linda, jamais vou esquecer de cada detalhe do dia em que a vi pela primeira vez.
Ele tinha um grande conhecimento de cinema e assistimos juntos a muitos clássicos em sua casa. Ele sabia tudo a respeito. Assistimos muitos filmes em seu escritório.
Acima do sofá ele colocou aquele poster icônico da década de 60 de um menino guerrilheiro vietcong com um fuzil na mão. Até hoje não lembro se fui eu quem lho deu, se compramos juntos um para cada um ou se foi ele que me deu um igual de presente.
Informadíssimo era assinante da Folha de São Paulo, dos dois jornais locais, Veja, Isto É, Época, Gourmet e Dinheiro. Lia tudo mesmo.
Colecionador de bonés, canivetes, sapatos e armas ele chegou a ter um arsenal em casa que dava para promover uma rebelião. Ele tinha uma impecável Lugger P.08 9mm Parabellum que os oficiais da Wehrmacht usaram na II GG. A coleção era tão parabellum que ele foi aos poucos se desfazendo dela. Menos de uma obra prima tcheca calibre 22 que cabe na palma da mão. Tão pequena e delicada que uma vez lhe perguntei,
- Será que funciona?
- Está carregada.
Tínhamos algumas grandes preferências em comum. Bacalhoada, salmão grelhado, azeite hyper virgem, Fados e naturalmente (para desespero de minhas primas) Dimple 18 anos e Dão.
Nos primeiros dias após o golpe militar de 64 foi com sua carteira de identidade que Diógenes de Arruda Câmara conseguiu escapulir das forças da ditadura que o procuravam no Nordeste. Um risco incalculável, uma dívida impagável.
Médico sanitarista ele foi o responsável na Organização Mundial de Saúde pelo controle da malária na America do Sul. À frente do ministério da saúde brasileiro ele efetivamente a conseguiu erradicar durante o período em que assumiu esta responsabilidade no Brasil.
Pragmático, quando era estudante de medicina e interno na Tamarineira, o hospital psiquiátrico público de Recife, numa noite já cansado do plantão ele foi dormir e encontrou um "louco" deitado em sua cama. Ferro deitou-se na cama ao lado e ficou conversando com o paciente. Na boa.
Quando conheceu a mulher com quem se casou e viveu até que ela se fosse ele me confessou:
- Era linda, jamais vou esquecer de cada detalhe do dia em que a vi pela primeira vez.
Ele tinha um grande conhecimento de cinema e assistimos juntos a muitos clássicos em sua casa. Ele sabia tudo a respeito. Assistimos muitos filmes em seu escritório.
Acima do sofá ele colocou aquele poster icônico da década de 60 de um menino guerrilheiro vietcong com um fuzil na mão. Até hoje não lembro se fui eu quem lho deu, se compramos juntos um para cada um ou se foi ele que me deu um igual de presente.
Informadíssimo era assinante da Folha de São Paulo, dos dois jornais locais, Veja, Isto É, Época, Gourmet e Dinheiro. Lia tudo mesmo.
Colecionador de bonés, canivetes, sapatos e armas ele chegou a ter um arsenal em casa que dava para promover uma rebelião. Ele tinha uma impecável Lugger P.08 9mm Parabellum que os oficiais da Wehrmacht usaram na II GG. A coleção era tão parabellum que ele foi aos poucos se desfazendo dela. Menos de uma obra prima tcheca calibre 22 que cabe na palma da mão. Tão pequena e delicada que uma vez lhe perguntei,
- Será que funciona?
- Está carregada.
Tínhamos algumas grandes preferências em comum. Bacalhoada, salmão grelhado, azeite hyper virgem, Fados e naturalmente (para desespero de minhas primas) Dimple 18 anos e Dão.
E para quem ainda possa pensar que ele não tinha sensibilidade, certa vez estávamos ouvindo Aquarela do Brasil do Ary Barroso.
Ferro passou então a me explicar longamente o significado de "merencória luz da lua". Convenhamos que merencória é uma palavra que só o Ary conhece. Pois bem, Ferro me explicou a sutil diferença entre merencória e melancólica. Merencória, aprendi, é algo singelo, sereno e suave o que assim lhe diferencia de uma simples e aparente melancolia.
- Assim é o luar, disse ele.
Imediatamente liguei para um amigo compositor e lhe contei a história.
- Preciso conhecer este cara!
Imediatamente liguei para um amigo compositor e lhe contei a história.
- Preciso conhecer este cara!
Ferro era phodda. Com pêagá de phamarcia e dois dês de toddy.
Saudades do cabra.
Saudades do cabra.