As palavras viajam no tempo e no espaço, de uma língua para outra e vão ganhando e perdendo sonoridades, agregando histórias e preparando a arqueologia das línguas.
Um caso interessante é o do curry, kari, caril.
Seguinte: o tempero indiano é conhecido e falado no Brasil como se fosse “curri”, assim mesmo, com esta sonoridade pavorosa.
É até compreensível por que o conhecimento do tal tempero indiano chegou ao Brasil principalmente através dos produtos ingleses.
Acontece que quando os ingleses conheceram o tal tempero, que tem a sonoridade original de “kári”, precisaram escrever isso em inglês. Neste caso a forma fonética mais próxima foi “curry”.
Nesta viagem do pobre tempero para o inglês os brasileiros o leram em português. E o “curry” virou “curri”.
O que já começa a ficar engraçado, pois o “kari” transformou-se em “curri”. Desnecessariamente, pois se os ingleses não têm um “a” aberto para fazer a correspondência fonética, em português ele existe. Portanto bastava chamá-lo simplesmente de “cari”.
Mas a coisa não fica por aí, pois os brasileiros ao invés de corromperem a sonoridade original da palavra poderiam sem muito esforço ter ficado no português de Portugal e usar o que os lusitanos usam. Lá o tempero chama-se “caril”.
O que também não é lá muito correto já que é possível ter a sonoridade original ao invés de bizarramente dizer “curri” ou “caril”. Basta dizer “cari”.
Detalhe: enquanto nas praias a oeste do Atlantico se diz que um prato é “ao”, lá do outro lado de lá se diz que um prato é “de”.
Se por aqui existe um frango ao curry lá o que existe é um caril de frango. O que ao fim e ao cabo significa que o que para os brasileiros é uma forma de fazer o prato para os portugueses já é o prato em si.
O que definitivamente não é a mesma coisa apesar do gosto ser o mesmo.
Ó Pessoa, ó Machado, que língua a vossa!
Mas o mais engraçado de tudo isso é que o tal tempero indiano, nem mesmo indiano é. Isso mesmo, o tempero à base de pimenta que o mundo inteiro relaciona com a Índia não é originalmente indiano.
Foram os portugueses que levaram a pimenta piri-piri para lá na época das navegações. Piri-piri as pequenas, malaguetas as grandes, ambas do gênero Capsicum.
E agora pasme: a Capsicum frutescens é originária nem mais nem menos que das Américas.
Aja viagem.