Em meio à recessão da União Européia está acontecendo um fato surpreendente e inesperado. O Paradoxo Belga.
Os números do crescimento da economia mundial no segundo trimestre de 2011 foram decepcionantes, tanto na Europa quando na America.
Os EUA cresceram meros 0,3% enquanto a Zona do Euro ficou mais abaixo com uma média de 0,2%. A Grã-Bretanha ficou na recessiva média dos 0,2%. A Alemanha, ainda pior, está com um assustador 0,1%.
Na pátria da pequenina Giulia Bruni seu père teve de engolir um 0,0% mais redondo que um camembert.
Surpreendentemente no meio desta recessão a Bélgica teve um crescimento de 0,7%. Muitíssimo acima dos euro-coleguinhas de Bruxelas. Todos com governos cortando ou dispostos a cortar na carne.
Todos atentos ao casal Merkosy.
Todos atentos ao casal Merkosy.
Menos a Bélgica que está alegremente sem governo, sem graecus referenduns, nem alegres bungas-bungas se dissolvendo no ar.
Sem governo há um ano e meio.
O Manneken Pis não se diverte tanto desde 1619.
O Manneken Pis não se diverte tanto desde 1619.
Rui Tavares é um historiador português e deputado independente no Parlamento Europeu. Ele escreveu recentemente um instigante artigo chamado A Vingança do Anarquista.
Seguem alguns extratos.
“Como podem os mercados deixar a Bélgica em paz quando este país tinha um défice considerável, uma dívida pública maior do que a portuguesa e, ainda por cima, estava sem governo?
Entretanto os mercados abocanharam a Irlanda e Portugal, deixaram a Itália em apuros, ameaçaram a Espanha e mostram-se capazes de rebaixar a França.
E continuaram a não incomodar a Bélgica.
Porquê?
Bem, como explica John Lanchester num artigo de setembro na London Review of Books, a economia belga é das que mais cresceu na zona do Euro nos últimos tempos. Sete vezes mais do que a economia alemã. E isto apesar de estar há dezassete meses sem governo.
Ou melhor, corrijam essa frase.
Não é “apesar” de estar sem governo. É graças — note-se, graças — a estar sem governo.
Sem governo, nos tempos que correm, significa sem austeridade.
Não há ninguém para implementar cortes na Bélgica, pois o governo de gestão não o pode fazer. Logo, o orçamento de há dois anos continua a aplicar-se automaticamente, o que dá uma almofada de ar à economia belga.
Sem o choque contracionário que tem atacado as nossas economias da austeridade, a economia belga cresce de forma mais saudável, e ajudará a diminuir o défice e a pagar a dívida.
A Bélgica tornou-se assim num inesperado caso de estudo para a teoria anarquista. Começou por provar que era possível um país desenvolvido sobreviver sem governo. Agora sugere que é possível viver melhor sem ele. Isto é mais do que uma curiosidade.
Vejamos a coisa sob outro prisma.
Há quanto tempo não se ouve um governo ocidental — europeu ou norte-americano — dar uma boa notícia? Se olharmos para os últimos dez anos, os governos têm servido essencialmente para duas coisas: dizer-nos que devemos ter medo do terrorismo, na primeira metade da década; e, na segunda, dizer-nos que vão cortar nos apoios sociais.
Nenhum boa ideia sai dos nossos governos.
E as pessoas começam a perguntar-se para que servem eles.”
Rui conclui dizendo que se as pessoas sentem que dão trabalho, estudo, impostos e não recebem nada em troca, o governo está a trabalhar para a sua deslegitimação.
Aqui vale a pena relembrar Nietzsche: O Estado é o mais frio de todos os monstros frios. Mente friamente e esta mentira rasteja de sua boca: - Eu, o Estado, sou o povo. É uma mentira. Só onde termina o Estado, começa o homem.
Lanchester analisando a situação é taxativo: Do ponto de vista econômico, na crise atual, nenhum governo é melhor que qualquer governo. Qualquer dos governos existentes.
O fato é que até as pedras sabem que,
1 Quanto mais impostos se impõe mais se deprime a economia.
2 Mais dispêndio social é mais meio circulante a aquecer a economia.
3 Cortes sociais tiram dinheiro de circulação, deprimem ainda mais o que já está deprimido.
Há exemplos, alguns aparentemente bizarros, de como o Estado pode interferir beneficamente para aquecer a economia. Na época da Grande Depressão o governo americano pagava uma turma de trabalhadores para pintar troncos de arvores de branco e depois pagava uma outra turma para limpar a tinta. Era trabalho e dinheiro sendo colocado em circulação, aquecendo a economia.
Colocando recursos, não retirando.
Há exemplos de sobra.
No Brasil recente os programas Bolsa-Família e a diminuição temporária do imposto sobre produtos industrializados.
O New Deal keynisiano de Roosevelt nos EUA que abriu caminho para o Wellfare State.
E acima de tudo na própria Europa a reconstrução no pós-guerra com o plano Marshall que também induziu o estado do bem-estar social europeu.
Programas estatais de injeção de recursos e diminuição de impostos aquecem a economia. Cortar gastos sociais, aumentar impostos, implantar políticas de austeridade é visão curta e receita comprovada para sufocar a economia.
O Neo-liberalismo de Ron & Maggie, a austeridade nas políticas econômicas e principalmente a farra improdutiva do Capital Financeiro estão mostrando suas consequências recessivas.
Around the clock, around the world.
Na ultima reunião do G20, na primeira semana de Novembro de 2011, os países europeus insistiram na ajuda financeira que os emergentes, principalmente Brasil, Rússia e China, deveriam dar à zona do Euro através do Fundo Europeu de Estabilização.
A reação dos BRIC's, principalmente a da China, mostraram que não se está acreditando na eficácia da visão econômica Merkosy. E o Paradoxo Belga só reforça essa impressão.
Se na London Review e um deputado do parlamento europeu começam a se fazer perguntas difíceis enquanto a Europa mergulha numa crise continental e primeiros-ministros começam a cair é por que há algo de podre não apenas no reino da Dinamarca.
Hamlets da Europa começam a se questionar.
É ótimo saber que a Velha Senhora está acordando. Melhor acordar do que ser acordada pela extrema-direita.