O funeral de minha mãe na Saxônia, Alemanha, foi uma das cerimônias mais belas e dignas que já vivi.
Decidi pela cremação seguida de sepultamento e contratei um agente que cuidou de todos os detalhes. Um dia ele me telefonou para me informar o local, o horário, a roupa que eu deveria usar e os procedimentos cerimoniais que eu deveria seguir.
No dia e horário fui sozinho. Antes de chegar ao crematório, que ficava no próprio cemitério, passei numa floricultura comprei uma rosa e segui.
Fazia um dia cinzento, um frio de vinte graus negativos.
Quando cheguei ao prédio do crematório encontrei o agente, do lado de fora, me esperando solenemente vestido. Nos cumprimentamos e ficamos lado a lado naquele frio enorme, sob a neve, em silencio. À espera das cinzas.
Depois que a fumaça saiu pela chaminé ele fez uma mesura com a cabeça e apertou minha mão. Continuamos parados até que dois homens desceram as escadas do crematório e vieram em nossa direção. Um deles vestia uma casaca azul escura, usava uma cartola e segurava entre as mãos uma urna cilíndrica azul. O outro homem usava um paletó preto, um chapéu mais simples e o seguia de perto.
Vieram até nós, nos olharam respeitosamente, baixaram levemente os olhos e a cabeça e tomaram a direção de uma das ruelas do cemitério. Caía uma neve de flocos delicados que desciam suavemente, o céu estava cinza claro, não havia quase ninguém por perto. Ás vezes passava uma ou outra pessoa vestida de escuro, de cabeça baixa.
A neve que cobria tudo aumentava ainda mais o silencio de um lugar em si já silencioso. O único som que se ouvia eram nossos passos pisando na neve. O agente e eu seguíamos os dois homens à cerca de três metros de distancia num passo cadenciado extremamente lento e solene.
Após uma longa meia hora chegamos ao local do sepultamento onde havia uma placa de madeira com um nome. Maria d’Assunção Lopes Câmara Corrêa.
Um pequeno buraco já estava cavado no chão e uma pá descansava ao lado dele. Eles se postaram próximos à borda. O homem de casaca me entregou a urna. Baixei a cabeça, fiquei com a urna entre as mãos e depois de alguns momentos a devolvi. Eles respeitosamente a tomaram e começaram a desce-la suavemente. Quando a urna tocou o fundo eles se afastaram, deixando espaço para que eu me aproximasse. Para que a olhasse pela última vez. Depois me deram a pá, eu joguei um pouco da terra que estava ao lado, devolvi-lhes a pá e eles terminaram de preencher. Ao final colocaram a placa.
Quando eles terminaram coloquei a rosa próximo à placa, nos apertamos as mãos e nos despedimos silenciosamente.
Acendi um cigarro. O frio tornava a fumaça muito cinza e espessa. O agente me acompanhou devagar, em silencio, até o estacionamento. Antes de nos despedirmos perguntei porque a placa era de madeira.
- Se colocarmos agora no inverno a placa definitiva o mármore poderá se partir. Vamos deixar para coloca-la no começo do verão.
- Ok, gut. Auf Wiedersen.
Voltei para casa sentindo um tipo de solidão que nunca havia sentido antes.