O The Economist sempre foi a bíblia do pensamento liberal europeu e vale a pena prestar atenção em suas opiniões. Por isso traduzi um editorial da revista que saiu hoje.
Um Novo Equilibrio na Europa
Teoricamente diplomatas russos acreditados junto da OTAN são bem vindos. Por mais de uma década, as autoridades russas tem sido permitidas na sede em Bruxelas, como qualquer dos enviados de outros países parceiros, como Suécia, Finlândia e Malta.
Mas na prática, diz um diplomata, todos sabem que "toda a missão russa é composta por espiões". Isto leva a jogos de gato e rato que vão desde os graves - em fevereiro, um funcionário estoniano foi condenado a mais de 12 anos por vender segredos da OTAN para Rússia, quanto aos cômicos - guardas foram colocados nas portas das reuniões reservadas para o pleno membros da OTAN, depois que autoridades russas foram encontrados escondendo seus crachás e tentando penetrar nas reuniões.
As relações da Rússia com a União Europeia são quase sempre ambíguas. Os dois lados têm muitos interesses comuns. A UE compra mais de metade de todas as exportações russas e responde por dois terços do investimento estrangeiro na Rússia. No entanto um clima de indiferença tem cercado as relações Rússia-UE. Parte do problema é que o interesse do Kremlin pela Europa caiu após a retomada dos laços com os Estados Unidos este ano.
Mas algo maior está acontecendo. Desde o fim da Guerra Fria, a política européia e americana em relação à Rússia foi ofuscada pelo processo de Alargamento. Primeiro a expansão da OTAN e depois a da própria EU, profundamente, dentro do antigo bloco soviético. Isso alarmou a Rússia.
Em 2007 o então presidente Vladimir Putin chamou a expansão da OTAN de “uma provocação grave". Autoridades russas sempre afirmam que no final da Guerra Fria lhes foi assegurado que forças estrangeiras não ficariam estacionadas nos ex-estados comunistas.
Além disso o Kremlin ficou particularmente irritado com a reunião de cúpula da OTAN de Bucareste, em Abril de 2008 onde os líderes concordaram que um dia a Ucrânia e a Geórgia iriam se tornar membros. Logo depois em agosto de 2008 estourou o conflito na Geórgia e um diplomata alemão não hesitou em referir a ele como "uma guerra por causa do Alargamento".
Agora que o Alargamento está muito retardado, um novo equilíbrio entre a Europa, Rússia e EUA pode surgir. A Rússia tem falado insistentemente em criar uma nova "arquitetura de segurança Europeia". Isso soou para muitos como uma tentativa de subverter a OTAN. Mas atualmente parece que os Estados Unidos esta prestando mais atenção, no mínimo para saber o que a Rússia quer.
O governo de Obama saudou, em particular, um novo empreendimento da Carnegie Endowment for International Peace, um think-tank americano, que vai criar um grupo com aposentados de alto calibre de políticos e diplomatas russos, europeus e americanos para discutir um "sistema de segurança Euro-Atlântico” que poderá responder às questões da Rússia.
Autoridades russas falam de garantias jurídicas de segurança para o seu país, ou de uma entidade tipo um Conselho de Segurança das Nações Unidas para a Europa, em que a Rússia teria um assento e elas sugerem que um tratado de segurança poderia ser anunciado no próximo ano.
Se a Rússia quer garantias de que OTAN nunca vai atacá-la, diz um ministro das relações exteriores do leste europeu, ela pode te-las “assinadas e seladas em papel porque não temos qualquer intenção de atacá-los". Mas se a o que a Rússia quer é o poder de vetar acordos de defesa de seus vizinhos, como a implantação de bases de mísseis americanos ou os sistemas de defesa, então ela estaria cruzando a linha vermelha.
Em qualquer caso, é difícil ver como essa discussão pode ir adiante sem expor profundas divisões entre os europeus sobre a Rússia.
Um dos benefícios do artigo 5 º, o compromisso de defesa coletiva que é a base da OTAN, é que ele deixa de mencionar quem são as fontes potenciais de perigo para os membros da aliança.
Para os novos membros, vindos do antigo bloco comunista, o artigo 5 º é, sobretudo, uma apólice de seguro contra a Rússia, pois para a Alemanha ou para a França um ataque russo é impensável.
Esta discussão sobre garantias jurídicas com a Rússia, mesmo garantias de não-agressão, correria o risco de expor tais diferenças entre os aliados.
Na verdade, dizem diplomatas europeus, os russos podem já ter conseguido muito mais do que eles queriam.
A grande meta da Russia era deter o Alargamento da OTAN e parar os planos americanos para estacionar radares de defesa anti-mísseis na República Checa, juntamente com interceptores na Polonia.
Os Estados Unidos agora dizem que a primeira fase do sistema será baseado em navios, com um radar próximo ao Irã. E a adesão da Ucrânia e da Geórgia a OTAN agora é uma perspectiva distante.
O mesmo acontece com o Alargamento da UE.
Os líderes russos queixam-se sobre a “parceria oriental" da EU com seis países que a Rússia considera parte de sua esfera de influência: Arménia, Azerbaijão, Bielorrússia, Geórgia, Moldávia e Ucrânia. Mas esta parceria é um paliativo para os países em que a UE não pretende aceitar como membros plenos.
Melhor na esfera de influencia dos Estados Unidos do que na da Rússia é o que pensa a Europa.
Vinte anos depois da guerra fria, com os Estados Unidos vivendo seu momento unipolar, a Europa está entrando numa nova fase relativa a sua segurança.
E algumas ilusões precisam ser desfeitas, começando com a idéia de que a Europa, Estados Unidos e a Rússia são amigos com valores comuns.
No entanto, eles não precisam ser inimigos e apesar da espionagem continua importante ter a Rússia na OTAN.
A Rússia tem o direito de sugerir novas regras de convivência. Mas a Europa e os Estados Unidos têm o direito de pedir à Rússia para manter os compromissos existentes, e principalmente respeitar o estado de domínio do direito. A Rússia não será um garantidor da segurança para a Europa em nenhum tempo, pelo menos por agora.
Para Já a Europa acredita que só os US podem desempenhar este papel de forma credível.
The Economist, 20 de Novembro de 2009