Lavagem do Bomfim

Hoje é dia da Lavagem.
No começo de dezembro de 2008 quebrei o pé direito.
Fiquei um mes de molho em casa sem sair para nada, o que não foi tão terrível assim por que trabalhando em home-office não houve muitas alterações na rotina de trabalho. Thanks IBM.
Além disso o que eu precisava o home service do flat em que morava providenciava, e meu filho Eric sempre aparecia na hora do almoço. Ponto.
Quando esse tempo estava chegando terminando lembrei-me da Lavagem do Bomfim. Coincidia que a lavagem seria nos dias em que eu voltaria a me movimentar sem gesso e sem muletas.
Então decidi: voltaria a caminhar na procissão da Conceição da Praia para o Bomfim.
A procissão se estende por de 8 km de ida e mais outro tanto de volta e não há nenhum meio de transporte disponível, só carros da policia em baixo e helicopteros em cima. Nada de taxis, nada de ônibus, nenhum tipo de transporte publico.
Quem tem fé vai a pé. E fui.
Acontece que me esqueci que um mês sem usar a musculatura deixa as pernas sem muita resistência.
Não deu outra, no meio da caminhada comecei a sentir dificuldades de continuar. Mas não havia o que fazer, estava exatamente no meio da caminhada e continuar ou voltar seria a mesma coisa.
E como eu não estava a fim de pagar o mico de pedir ajuda à alguma ambulancia segui em frente, parando ocasionalmente.
Numa destas paradinhas noto que o cortejo das Bahianas estava chegando. Todas lindas, bem vestidas de branco, com todos os colares, panos e rendas. Carregando os potes de agua benta e perfumada que tinham ficado por sete dias nos terreiros de candomblé sendo sagrados pelos orixás.
Continuei parado, descansando e olhando o cortejo.
Nisso uma delas para, me olha e pergunta:
- Meu filho o que você tem, parece cansado, tá estressado tá?
- Bahiana eu quebrei o pé direito e sai de casa hoje, pela primeira vez depois de um mês, pra vir à Lavagem. E estou sentindo o esforço, tá incomodando muito.
Ela tomou um galhinho de arruda, imergiu no pote de água, me aspergiu e me benzeu.
- Meu filho você vai ficar bom. Você não vai sentir nada e seu pé vai ficar como antes. Yansã que te proteja.
Agradeci aquela bondade.
Ela sorriu, seguiu e eu fiquei olhando o cortejo passar.
Depois segui em frente, subi a colina, comprei fitas para cada um dos meus amigos e as coloquei nas grades externas da igreja. As grades estavam coloridas, cheias de fitas, velas e pedidos.
A multidão enchia a praça.
Daí a pouco começaram a pipocar os fogos e aquelas milhares de pesssoas cantaram juntas o Hino do Senhor do Bomfim.
Gloria a ti nesse dia de Glória
Glória a ti Redentor que há cem anos...
Não dá para descrever a beleza dessa festa. A Lavagem lava o corpo, lava a alma, lava o espírito, lava o coração.
Carnaval, suor e cerveja. Fé e batuque.
Gente de todo tipo, de todos os lugares, de todas as cores.
Rezei pra minha fé, tomei cerveja, brinquei, dancei e voltei para casa. Exausto, quase arrependido da temeridade do esforço.
Muitos meses depois eu estava fazendo meus exames paranóicos de check-up. Ok, tudo bem, taxas e indicadores perfeitos.
Mas em consequencia de uma antigo acidente de asa-delta, em que quebrei os dois braços, vértebras do pescoço e da base da coluna, faço além de todos os exames um controle ortopédico-radiológico da coluna.
Também estava tudo ok.
Mas no meio da consulta lembrei do pé quebrado e pedi ao médico que fizesse uma radiografia de controle.
Feito o raio-x o médico ao examinar a placa e me pergunta:
- Tem certeza que foi o pé direito?
- Sim claro, por que?
- Aqui não aparece nada, seu pé esta intacto.
- Não é possível, quebrei, engessei e fiquei um mes imobilizado.
- Voce tem a radiografia que foi tirada na época do engessamento?
- Sim tenho.
- Então traga-me amanhã para olhar-mos.
No dia seguinte levei a placa, ele olhou e comparou com a atual.
- Realmente seu ligamento rompeu a inserção óssea no calcanhar e visivelmente quebrou o osso, mas na radiografia atual não aparece nada. Esta perfeito sem nenhum traço da fratura. Muito estranho.
Só então lembrei-me da benção da baiana.