Um Grande Amigo Português

Não há como ser indiferente aos portugueses.
Sempre teremos histórias, opiniões e posturas diversas, às vezes até contraditórias, em relação a eles e a Portugal. Há muitas coisas envolvidas nesta história que já dura séculos, e que deverá durar sempre.
Com piadas ou com amores o fato, o fado, é que somos muito mais ligados a eles do que possamos imaginar.

Morei em Portugal por muitos anos. Tenho quatro filhos lá nascidos e alguns dos melhores anos da minha vida eu os vivi em Sintra.
Há algo que é muito típico da língua como lá se fala, mas que por cá perdemos ao longo do tempo com essa nossa informalidade brasileira. Trata-se do uso do Tu e do Você. Aliás como também o fazem, ainda mais incisivamente, os alemães com o Du e o Sie. Você é usado para todo mundo, Tu é usado para os íntimos.

E é claro que não se trata só do pronome, trata-se do uso do verbos no dia-a-dia. Isso nos traz problemas no cotidiano quando se flexiona a pessoa incorreta do verbo na conversação, tratando com intimidade alguém que não é intimo. Ou tratando formalmente alguém que é íntimo. Fácil de entender: se você pergunta a alguém: 
- Quer jantar? é completamente diferente de perguntar - Queres jantar?
Há uma intimidade que distingue as duas perguntas.

Tenho um grande amigo com quem me encontrava quase todos os fins de semana em festas ou em programas que combinávamos. Ele morava próximo a mim e sempre estávamos nos encontrando. Dividíamos gostos e opiniões, tínhamos profissões afins e posições politicas semelhantes. Enfim, éramos muito amigos. Bebíamos, conversávamos, cozinhávamos e comíamos sempre. Além de tudo nossas mulheres e filhos também compartilhavam desta amizade.

Dois anos depois de nos conhecermos ele me chama e diz que gostaria de sair comigo. 
- Apenas nós dois, para tomar uns copos.
- Claro que sim, respondi, e lá fomos aos copos numa tasca em Sintra perto de nossas casas. Ele estava muito sério e parecia ter um assunto grave para tratar. Chegamos na tasca e depois de uns copos de água-pé, de muitas castanhas, tremoços e de uns papos gerais ele me olha muito sério me diz:

- Ó Pá, nós nos conhecemos já há alguns anos. Nossas famílias são amigas, teu filho namora minha filha, gostamos muito de vocês. Acho que também gostas de nós pois não?
- Claro que sim, gosto muito de todos vocês!
Ele faz uma pausa, me olha nos olhos e muito emocionado, com os olhos marejados, me pergunta:
- Então já posso te chamar de Tu?
Nos abraçamos longamente.