Porsches

Há sempre um Porsche na vida de quem gosta de carros.
Na Alemanha algumas das excelentes estradas não têm limites de velocidade. Um paraíso para quem gosta de acelerar e os alemães gostam e gostam muito. Assim como se vai a praia os alemães vão para uma Autobahn. Apenas para correr. Sozinhos ou em grupo.

Depois de algum tempo vicia, você começa a procurar motivos para ir para a estrada e acelerar. Então sempre haverá um Porsche por perto.
Fui ultrapassado por um preto. Passou e sumiu. Pouco depois comecei a me aproximar dele. Com tanta facilidade que ficou claro que ele diminuíra muito de velocidade. Ao ultrapassa-lo vi o motorista, uma senhora de uns setenta anos ao celular. Estava explicado, ela devia estar falando com algum netinho. Pouco depois vejo-a pelo retrovisor se aproximando rapidamente. Esticando a marcha, giro lá em cima, me ultrapassa e desaparece.

Alemães só piscam o pisca-pisca uma única vez. Piscou tá avisado e pronto, cuide-se. Também nunca se fica na faixa da esquerda. Nunca, ultrapassou voltou.
Um dia estava a uns 180 km/h, vi uma piscada amarela, era um Porsche, passou e rápido. Colado nele passou outro. Depois mais outro. Mais um quarto, um quinto e um sexto. Um no vácuo do outro. Seis Porsches nenhum a menos de 250 km/h. Seis amigos passeando tranqüilamente numa ensolarada manhã de sábado.
Quase sempre isso acontecia na A4 no trecho entre Kassel e Dortmund, o lugar que Deus reservou a seus escolhidos depois que Adão saiu de casa.

Postos de serviço nas Autobahnen têm pistas especiais de aproximação e saída tão perfeitas quanto as próprias, e muito longas. Entenda-se: a de saída é uma pista de aceleração para se unir à Autobahn e lhe deixar na mesma velocidade de quem passa zunindo. A de entrada é uma pista de desaceleração para se entrar com segurança na área de serviço.
Ao entrar em um desses postos, já na pista de desaceleração, fui ultrapassado por um Porsche Turbo a mais de 160 km/h. Levei um susto afinal tecnicamente já estávamos dentro do posto. Como os alemães são muito disciplinados fiquei curioso. Pouco depois o Porsche estava freando violentamente, parando numa das vagas de estacionamento. A porta se abre, o motorista deixa-a aberta, sai correndo segurando as calças em direção ao banheiro. Nessas situações um Porsche Turbo ajuda muito.

Dirigindo um Carrera 2S eu tirava tudo que podia e sabia do carro e de mim. Sem limites, sem nenhuma piedade, nem dele nem de mim. Há poucas, muito poucas interações mais perfeitas. Você veste o carro, ele sabe o que você quer, ele antecipa suas reações, ele coopera com seus erros, ele estimula sua emoção. 
Não há amante como um Porsche. Nenhuma permite tanto, nenhuma perdoa tanto, nenhuma se dá tanto. O que você pedir, o que você quiser, na hora que você quiser, do jeito que você quiser.

O Carrera 2S tem suspensão mais baixa, mais dura, pneus ainda maiores. A direção é direta, precisa, transmite tudo da estrada. Você sente até quando passa por cima de uma tampinha de refrigerante. Ele tem tanto grid, gruda tanto à estrada que é capaz de produzir acelerações laterais de um 1G. Ele produz uma força lateral igual à força da gravidade. Isto é: nas curvas ele joga seu corpo para o lado com o mesmo peso que a gravidade lhe puxa para baixo. Sua cabeça pesa nas curvas.
Porsches são incansáveis e fiéis, esqueça a inconstância italiana. Para amar um Porsche você precisa estar em forma. Como toda amante ardente não reclama se você abusa mas também vai abusar de você. Cuidado para não despertar todo o fogo, você pode não estar preparado.

Chamei minha mulher para dar uma volta numa estradinha de montanha, cheia de curvas. O melhor ambiente para soltar um Porsche.
Subi a estrada com vigor, usando tudo do motor, das marchas, da suspensão, dos freios. Desci usando mais ainda. Curva após curva ele descia a montanha alucinadamente, mal dava para ver a paisagem passar. Sem sair um milímetro da trajetória, grudado ao chão. Uma curva acabava exatamente na entrada da seguinte. Um toque no freio uma afundada no acelerador.
No meio da descida Sandra grita,
- Para, para, que eu vou vomitar. 
Não há mulher como Gilda, digo, não há nada como um Porsche.