O Humor de meu tio Ferro.

Meu tio tinha muitos aspectos divertidos.
Colecionava relógios, centenas de bonés, dezenas de sapatos, canivetes, ferramentas, facas, celulares, discos de vinil, CDs, DVDs, revistas. Havia aparelhos de som de todos os tamanhos e outros eletrônicos que ele nunca se desfazia mesmo tendo décadas. Ferro ocupava sozinho um apartamento de 160 m2 onde cabia mais nada.

Havia uma televisão em cada cômodo. De manhã após o café ele assistia na sala os primeiros noticiários e lia os dois ou três jornais do dia. Depois passava para o escritório, assistia mais noticiários e filmes, lia várias revistas e livros.
Ele também tinha armas, muitas armas. Ferro chegou a ter um arsenal que dava para fomentar uma rebelião, inclusive raridades alemãs e tchecas da segunda guerra mundial. Todas funcionando.
Médico sanitarista, autoridade internacional em Malária, pai de duas médicas, ele detestava ir a médicos,
- Não curam nada, são uns enrolões, só sabem pedir exames.
- Enrolões com um erre ou com dois erres?
- Com um erre só é claro. Só se usa dois erres entre duas vogais!

Ferro era meio filósofo, entendia um bocado da alma humana.
Quando ele estudava Medicina fez estágio no Hospital da Tamarineira, um hospital psiquiátrico. Na época havia pouco tratamento ambulatorial e muitas internações. Centenas de pacientes viviam internos nos hospitais psiquiátricos, alguns por anos a fio muitas vezes esquecidos pelas famílias.
Sendo estagiário residente Ferro dormia na Tamarineira alguns dias por semana.

Certa vez ao chegar no quarto ele encontrou um paciente que, sabe-se lá como nem por que, tinha entrado no quarto. O paciente estava deitado na cama de Ferro. Bem acomodado o cara não pretendia nem sair do quarto nem muito menos da cama.
Ferro não se incomodou, deitou na cama ao lado. Conversaram a noite inteira. Ficaram amigos.
Contando-me essa estória ao final ele me olha com um jeito irônico,
- Ele era mais normal do que muita gente que eu conheço.