Malhão, um Lobisomem Urbano.

O Bairro do Aleixo no Porto, Portugal, foi implodido por iniciativa do Estado. O bairro que tinha torres de 13 andares, uma anormalidade arquitetônica, se tornou foco de problemas sociais e tráfico de drogas.

A implosão da torre no. 5 durou cinco segundos e aconteceu na sexta-feira 16.12.11 às 11:45hs. Apesar de ter sido um previsível sucesso técnico a explosão continua a causar polêmica entre os moradores e o poder público. A construção de um condomínio de luxo no local esta cercada de pouca transparência. Mas o que todos querem realmente saber é o futuro destino do Malhão.

Malhão é uma figura misteriosa do bairro. Uns dizem que ele existe, outros que ele é um mito. Há muitas versões contraditórias. Ninguém sabe onde está a verdade. 
Malhão é uma figura de assombração.
A versão mais aceita é a de que ele se esconde nas escadas dos prédios à espera dos clientes. Dos drogados. Malhão se disfarça com bigodes, perucas e óculos escuros. Um dia pode ser homem outro dia pode ser mulher. Um lobisomem urbano, andrógino.
Dizem que ele não é afetado pela lua cheia. Nunca dorme, raramente come. Quem se aproxima dele só o reconhece pelas luvas verdes impecavelmente limpas. Ele estende a mão, dá um pacote e recebe uma nota ou um monte de moedas.
Malhão está sempre mais ativo nos dias quentes de verão. Nos dias frios ele hiberna e se prepara. 

Todas as noites se ouvem vozes no Aleixo a chamar por ele. Pessoas desesperadas correm gritando, implorando com a voz rouca,
- Malhão, Malhão, oh Malhão...
Malhão virou uma lenda nacional. Virou um mito, virou versos, virou música. Até na distante Lisboa as pessoas cantavam no Bairro Alto, cantavam nas festas do Avante, sem saber o porquê,
- Oh Mamão! Oh Malhão!
Pouca gente sabia quem era o Malhão.

Malhão nunca aparece quando é preciso.
Malhão não responde a ninguém. Quem será o Malhão? Uma fantasia de drogados ou um traficante esperto que soube construir uma aura mitológica? A implosão do Bairro do Aleixo deve ajudar a resolver o mistério. Ou talvez não.
Talvez o Malhão passe a uivar, pairando com sua longa capa e luvas verdes por sobre as ruínas do Aleixo nas noites de lua cheia.
Desta vez será ele a pedir por socorro, a clamar por suas vítimas, a implorar por elas, seu alimento.

Duas retroescavadoras que trabalhavam na remoção dos destroços da torre 5 foram incendiadas por desconhecidos, disse uma fonte da Policia de Segurança Pública.
De acordo com informações do oficial de dia do Comando Metropolitano da PSP do Porto, “as cabines das máquinas ficaram completamente destruídas pelas chamas. Não há, até ao momento, testemunhas do que se passou ou, se as há, ninguém quis falar”.
Na verdade todo mundo sabe que foi o Malhão.
Alguns até se aproximaram dele quando ele chegou de madrugada com dois galões de gasóleo.
- Por que gasóleo?
- Queima mais devagar. Saiam daqui.

Malhão cresceu nas torres.
Aprendeu a se esconder, desenvolveu hábitos de ermitão, passou a gostar de luvas verdes. No começo uivou para a lua, depois se fez seu companheiro, se enamorou por dela.
Até que a lua, numa noite quando já estava bem cheia, lhe revelou que ele era um lobisomem urbano e sem sexo. Era verdade. Malhão não tinha sexo, não precisava.
A lua só lhe visitava uma vez por mês. Ele a esperava com a garrafa de bagaceira para longas conversas. Foi ela quem lhe deu as luvas verdes,
- Cuide delas como se cuidasse de mim.

As luvas verdes impecáveis do Malhão agora estavam sujas.
O rosto estava suado apesar da chuva e do frio. Um rosto tenso, indignado, sofrido, chorado. Tinha bebido meia garrafa de bagaceira. Tinha se mijado nas calças.
Malhão olhava para os destroços da torre, a roupa ainda cinzenta da poeira da explosão. Não derramara uma lagrima. Engolira em seco vendo seu pequeno império a se desmoronar em 15 longos segundos.

Malhão não sabia com quem lutar.
Logo ele que lutara a vida inteira para sobreviver desde que os pais morreram em Angola. Desde que a vizinha que o trouxe para Lisboa o abandonara dentro de um trem.
Criança, dormira os primeiros dias pelas estações à procura da mulher. Depois teve a certeza de que fora abandonado.
Depois a fome o fez roubar. Depois o roubo lhe fez fugir. Depois a fuga lhe pôs a vagar nas escadas das torres do Aleixo.

Malhão não tinha vícios, vivia dos vícios dos outros.
Não tinha dores, já tinha vivido todas.
Também não tinha saudades. Malhão não sabia quem era.
Mas quando viu a torre a se desabar, seu coração se rasgou.
Malhão voltou a odiar.
Começou com fogo e vai terminar com sangue.