Aniversário de 80 anos das Autobahnen

Hoje, 5 de Agosto de 2012, as Autobahnen completam 80 anos.
As estradas alemãs são muito mais que auto-estradas perfeitas, elas fazem parte inseparável da cultura do país, tanto quanto samba, carnaval e futebol no Brasil. Quando a Comunidade Européia, que regula até o tamanho das laranjas e batatas, quis limitar a velocidade nas estradas alemãs eles disseram que era mais fácil saírem da Comunidade do que aceitar qualquer limitação de velocidade.
Certíssimos.

A rede das estradas foi criada de forma a cruzar estrategicamente o país, tornando possível não apenas a movimentação racional de cargas e veículos, mas também o rápido acesso militar aos pontos vitais nas fronteiras. Elas têm uma profundidade enorme de camadas superpostas de concreto, borracha e asfalto com capacidade de suportar as toneladas dos tanques e funcionar como aeroportos.
A Autobahn é um componente político, econômico e militar essencial da Alemanha. 

A Autobahn mais que tudo isso é parte essencial da psique nacional. E vicia. Cria dependência mesmo.
Quando mudamos para lá minha mulher olhava horrorizada para o velocímetro reclamando que estávamos a mais de 160 km/h. Meses depois ela própria já estava a 200 km/h. Se você fica mais de duas semanas sem usar começa a procurar motivos para fazer alguma viagem.
Assim como se vai à praia as pessoas vão aos sábados para as Autobahnen pelo prazer de andar o mais rápido possível. Nos finais de semana muitas vezes você é ultrapassado por quatro ou cinco Porsches de amigos que saíram para dar umas voltas a mais de 250 km/h.
Mas preste atenção no retrovisor por que pode estar crescendo um ponto vermelhinho ao longe. Passou. À vezes não dá nem para saber se foi uma Ferrie ou um Lambo.

As Autobahnen têm uma camada de borracha para torná-las mais silenciosas. Você sente perfeitamente quando cruza a fronteira, vindo da França, por exemplo, que o carro ficou mais suave, que os pneus estão mais silenciosos. Por isso os alemães se ressentem com o ritual dos muçulmanos, pois é muito difícil aceitar que se pague altos impostos para ter ruas silenciosas e os muezins fiquem berrando de manhã cedo chamando os fiéis para orar.
Trajetos de menos de 400 km são mais rápidos de percorrer de carro que de avião. Um amigo que ia junto com um colega de escritório para uma reunião de negócios em uma cidade próxima se atrasou para o embarque no aeroporto. Foi direto de carro para a cidade de destino e chegou a tempo de buscar o colega no desembarque do aeroporto.

Disciplina conta muito. Ninguém usa a terceira, a quarta ou a quinta pista a não ser para ultrapassar, ela está sempre livre. E, novamente, preste atenção no retrovisor: só se dá um toque no pisca, uma única vez, e se ultrapassa.
Sangue frio conta mais ainda: vi um caminhão pegando fogo a 140 km/h. Parar por quê? Melhor encontrar um lugar mais espaçoso para parar.
Vi a roda de um trailer de dois eixos se soltar: a roda quicava no asfalto, subia e descia. Ninguém perdeu a calma, cada vez que ela descia o carro que iria ser atingido desviava um pouco, ela batia no chão subia novamente e o carro retornava a sua posição. Todos fizeram esse balé até que a roda parou em algum lugar. Não houve acidentes.

A situação de maior sangue frio e autocontrole coletivo que já vivi foi numa estrada secundária em construção no lado oriental.
Era noite. Só um dos lados da Autobahn estava pronto e era usado em via dupla. Quatro filas de carros ocupando o lugar normal de duas. Uma fileira de pequenos postes com luzes vermelhas no topo, no meio do asfalto, separava apenas por um palmo o fluxo entre os que iam e os que vinham. 
Em plena noite a estrada estava completamente cheia, duas filas indo e duas filas vindo, todos a mais de 140 km/h e colados uns nos outros. A velocidade de cruzamento entre os que iam e os que vinham às vezes passava dos 300 km/h. Os carros se cruzando a centímetros uns dos outros a quase um terço da velocidade do som.
As luzes vermelhas na janela passando estroboscopicamente a mais de 140 km/h. O facho dos faróis dos carros contrários a mais de 280 km/h. Durante mais de uma hora não dava para mover o volante um milímetro na direção errada. Não dá para mudar de pista, não dá para parar, não dá para deixar de ultrapassar, não dá para errar.
Numa ultrapassagem minha mulher teve de abrir a janela dela para fechar o retrovisor do nosso carro e o retrovisor do carro ao lado para que se pudesse ultrapassa-lo a mais de 150 km/h. Você acha que é impossível sair vivo, mas sai, todos saem. E quer saber? Uma semana depois você vai querer mais.

Viciei-me em Autobahn. Muitas vezes saía do trabalho e antes de ir para casa ia para a estrada, rodava uns oitenta quilômetros em máxima e depois voltava.
No meio de um fim de semana prolongado de Páscoa aproveitei o intervalo em que as estradas estavam vazias para me divertir a 275 km/h. Foi o meu máximo, as pernas quase tremiam quando parei para reabastecer. Ouvindo jazz, à noite, 230 km/h nas curvas e tudo que o carro dava nas retas.
Brinquei de tentar fazer escorregar a traseira nas curvas dando pequenos toques no volante para provocar uma leve derrapagem. Ainda bem que não aconteceu, pois com certeza eu não teria como controlar uma derrapagem a 220 km/h.
Mas foi bom, melhor que sexo.