James Coburn não chega a ser brilhante, mas faz um trabalho razoável na pele de um soldado alemão, protagonista do filme. O único senão é que ele deu um tom de cowboy solitário, clássico em faroestes mas culturalmente meio bizarro num soldado alemão da II Guerra. Acredito que esta construção de personagem foi mais intencional do Sam do que falha do Coburn.
O filme tem cenas antológicas como a do soldado alemão mutilado que recebe a visita de um general no pátio de um hospital.
O general se aproxima para cumprimentá-lo.
O soldado está sentado numa cadeira de rodas, ele só tem uma perna, ele está envolto numa capa.
O general lhe estende a mão direita, de dentro da capa do soldado surge o toco do braço direito que o soldado lhe estende.
O general troca de mão e lhe estende a esquerda. De dentro da capa surge o toco do braço esquerdo que o soldado também lhe estende.
O general fica parado olhando os dois tocos.
O soldado olha o general fixadamente.
Subitamente ele ergue alto sua única perna, fazendo com a perna estendida a clássica saudação nazista que se faz com o braço levantado. Arrepiante.
Outra cena, esta numa refinada linguagem cinematográfica é com um T-34, o tanque soviético, um dos ícones mecânicos da II Guerra, produzido de 1940 a 1958. Copiadíssimo, imitadíssimo, o T-34 foi peça fundamental na reviravolta de Bigodão contra Bigodinho.
Para vergonha da Alemanha, no centro de Berlin existem dois deles no alto de um monumento à grande vitória soviética. Em outra cidade alemã, Chemnitz, havia um monumento específico em homenagem ao T-34. Em 1980 Joseph Kneifel produziu um ataque à bomba contra ele. O tanque teve leves arranhões, Joseph foi condenado à prisão perpétua em uma prisão em Bautzen, Sachsen.
Peckinpah trata o T-34 como um ser vivo, não como uma maquina. O T-34 se comporta como uma fera predadora caçando na selva.
Ele invade um galpão em ruínas onde estão suas presas. O ruído de seu motor soa como uma respiração arfante, ele se move, ele procura sua caça, ele sobe nos destroços das paredes do galpão, ele se ergue nos destroços como um felino se levantando nas patas de trás antes do bote, ele entra em desvãos, ele penetra em buracos, ele fuça aqui e ali, ele dispara em paredes para abrir seu próprio caminho, ele entra nos buracos e persegue, ele observa de soslaio, ele gira a torre do canhão como que a girar a cabeça à procura da presa, ele enfia seu canhão principal em buracos e dispara, ele se ergue nas patas, seu motor arfa alto num rugido, ele ataca, ele dispara, como um tigre caçando uma presa.
Brilhante.
O filme termina com o texto de um poema de Bertold Brecht.
Brecht deixou a Alemanha quatro semanas depois de Hitler assumir a Chancelaria do Reich.
Brecht saiu no dia seguinte ao incêndio do Reichstag que depois iria justificar a lei de plenos poderes para o chanceler.
Brecht fugiu em 28 de Fevereiro de 1933, no exato dia em que o Führer num decreto de emergência suspendeu a liberdade de expressão, associação, imprensa, o sigilo telefônico e sigilo postal.
Depois, comentando a derrota nazista, Brecht fala em três versos do espírito da guerra. Desta condição perene, intrínseca da raça humana:
Não se alegrem com a derrota deles, homens.
Não se alegrem com a derrota deles, homens.
Mesmo que o mundo tenha se erguido para deter o Bastardo.
A cadela que o pariu está no cio novamente.
Irrespondível. A cadela sempre esteve e sempre estará no cio.