Carioca

Rio, 27 de Novembro de 2010.
A ocupação militar das zonas em poder do crime organizado eletrizaram a atenção do mundo. As cenas das ações tanto dos traficantes quanto dos militares são impressionantes. Combates de rua. A reação da população emocionante.
Estes têm sido dias históricos para todos, principalmente para cariocas que como eu viram de longe o Rio sucumbir ao longo dos anos em um caos quase que inabitável.

As cenas ao vivo na televisão são impressionantes e dão a dimensão trágica da realidade. Todos se envolveram do presidente da república aos moradores. A televisão mostra combates, reunião enormes de ministérios, generais, soldados, policiais e políticos, planos sendo traçados, reuniões de comandantes e tropas.Helicópteros sobrevoando as áreas de intervenção, tanques de guerra avançando pelas ruas, tropas federais de todos os tipos se engajando numa ação enorme.
Tanques passando pelas ruas, esmagando e passando por cima de carros, paraquedistas camuflados, criminosos sendo baleados, incêndios por todo lado, tropas militares pouco a pouco ocupando território, criminosos recuando, bandidos fugindo mata à dentro, população desesperada, pessoas escondidas nas janelas, pais e mães fugindo com filhos no colo, escolas fechadas, bombeiros chegando, sons de fuzis e metralhadoras, mulheres colocando lençóis brancos nas janelas pedindo paz, paredes desmoronando, carros e ônibus incendiados.

Dias e noites de vida ou morte, de inferno e sangue. Tudo ao vivo, tudo real. Não é cinema.
Bem todo viu, todo mundo sabe do que estou falando. Mas do que eu quero realmente falar é do espírito carioca que faz o Rio sorrir de tudo, da alegria e da beleza que caracteriza esta cidade que ensinou o resto do país e do mundo a ser um pouco carioca. 
Alegre, displicente, brincalhão, indiferente, bem-humorado. Carioca.

A cena é a seguinte:
A televisão estava mostrando ao vivo um tiroteio entre tropas do exército e criminosos. O cinegrafista está muito perto da ação e a transmissão de imagens é arrepiante. Vê-se de muito perto uma esquina onde alguns soldados com roupas de combate estão deitados no chão disparando fuzis modernos com miras telescópicas. Os tiros são disparados contra uma casa de dois andares de onde criminosos revidam e disparam mais tiros. É uma cena real de combate. Ao vivo.
Muitos destes tiros passam tão perto da câmera que vê-se o rastilho. A cena é de tirar o fôlego por ser real. Você teme pela vidas daqueles soldados e pela do cinegrafista.
O tiroteio continua e a câmera continua mostrando a rua e a esquina de onde os soldados deitados estão atirando e a casa de onde os criminosos revidam os tiros.

De repente cessa o tiroteio. Passam alguns segundos. Os soldados continuam deitados. Passam mais alguns segundos de tensão e o tiroteio não recomeça. A câmera continua mostrando a cena. Os soldados continuam deitados se protegendo de possível ataque, de um recomeço do tiroteio.
De repente surge na rua um homem de chinelo, bermudas e camisa folgada. Ele aparece no campo de imagem da câmera, bem no meio da batalha. Uma imagem absurdamente contrária àquela realidade de combate. Alguém passeando num sábado tranquilo.
O homem começa a atravessar a rua normalmente. Ele está desprotegido, completamente exposto na linha dos tiros, bem no meio do tiroteio entre o exército e os criminosos.

Mas ele atravessa a rua tranquilamente, como se estivesse esperado o tiroteio terminar para atravessar a rua e seguir seu caminho em frente. Como se espera em uma passagem de pedestres que o sinal fique verde e os carros parem para você passar.
Simples assim. Bem carioca.