Estive comentando o filme Zeitgeist com minha filha Vahine. Zeitgeist é uma daquelas palavras alemães geniais, fruto daquela maneira alemã de criar um conceito inteiro, um Das Koncept, em uma única palavra. É como Weltzchmert que é a dor do mundo aquela dor total de todos os seres humanos. Ou como Zukunfsfreud que é o otimismo, a esperança em relação ao futuro ou Schadenfreude, que é a alegria pela desgraça alheia, o inverso da compaixão.
Nesta forma de criar palavras conceituais Zeitgeist é um conceito dependente do tempo e do espaço. Representa o ambiente cultural, científico e intelectual do mundo em um determinado momento, época e lugar. Cada época, cada lugar portanto tem seu Zeitgeist específico. Mas antes de voltar a “Zeitgeist” o filme, vamos ver outra palavra alemã: Angst.
Angst não é apenas uma angústia pessoal e passageira, é algo maior que faz parte intrínseca do ser, do viver humano. É a dúvida, a dor, a alegria de viver cada novo dia. A dor de existir, de não saber como começa nem quando termina, não saber o sentido da vida, de onde viemos para onde vamos. Se viemos e se vamos para algum lugar. Este Angst é condição essencial do ser humano.
E é esta incerteza, este tormento às vezes leve, às vezes insuportável que é o Leitmotif (mais uma em alemão) na origem de todas as religiões e filosofias.
Diante da Existência ficamos perplexos, sem explicações e nos falta principalmente um significado para o existir. Falta-nos também uma ideia que una todos os fatos e os torne compreensíveis, que os torne parte de um todo racional. Precisamos de algo ou de um script que explique os movimentos históricos, que dê uma sequência lógica e aceitável à jornada do Homem.
Algo que torne fácil visualizar que a História do Homem não é um caos de fatos sem propósito. Enfim algo que dê sentido e relevância a tudo que nos cerca, que vemos, que participamos.
Surgem então ao longo da História, as mais diversas religiões, crenças, filosofias, sistemas políticos.
Sistemas que procuram explicações e principalmente enxergar uma ordem no que parece ser um caos de acontecimentos e de total falta de propósito. Toda esta procura por explicações, esta luta contra o caótico e em busca do previsível, do planeável, do controlável é em resumo a história do Homem.
É a luta contra o maior dos medos, o medo da Morte, o medo do Desconhecido. O Desconhecido e o Caos são a Morte e o Controle e o Conhecimento seriam a Vida. Note que todo progresso científico se resume em melhorar e prolongar as condições de vida, e que toda religião promete a vida eterna.
Mesmo assim Ciência e Religião não têm sido suficientes para aplacar ou anular o Angst. Ainda falta algo mais. Algo que junte as pontas da História. Que dê um começo, um meio e um fim, que estabeleça um sequência e um propósito. Que enfim explique todos os fatos dentro de um mesmo raciocínio.
Agora junte esta necessidade de explicações simples para a História com o Weltratlosigkeit (a perplexidade diante do mundo) e o Angst e você acaba chegando então nas Teorias Conspiratórias.
As TC’s surgem de tempos em tempos para dar uma explicação aceitável a fatos que não temos capacidade de processar, de entender ou de reuni-los todos juntos e chegar a uma conclusão satisfatória.
Mais ainda: o medo do desconhecido, a dificuldade de elaborar um raciocínio sintético global leva o Homem a desconfiar de que há algo por trás de tudo servindo a interesses que não são seus.
Daria para chamar isso de paranóia colectiva latente. Outro ingrediente neste caldeirão cultural que constrói o Zeitgeist de cada época é a necessidade de identificar um culpado para o que de mal nos acontece e para tudo que não encontramos explicação razoável.
Grandes líderes carismáticos têm se aproveitado destes medos, inseguranças e angústias para conduzir povos e nações inteiras nas mais insanas aventuras sociais e políticas.
São os Ditadores, os Profetas, os Messias, os Iluminados.
A História está cheia deles, a Alemã inclusive.
Por tudo isso me reservo algumas cautelas em relação a Zeiltgeist, o filme. Note que ele tenta ligar as pontas de séculos de História dentro de uma mesma linha de propósito, naturalmente ameaçadora.
Por isso minha filha querida tenha muita precaução com qualquer teoria conspiratória. Seja de que tipo for, pois quase sempre elas são a procura de uma explicação fácil para problemas de dimensão grandiosa que assustam nossa condição humana.
Prefira sempre o caminho do Ceticismo pois mesmo que você erre, sempre errará muito menos e não ficará a mercê de falsos profetas.
Se o filme trás denúncias concretas, ótimo. Vamos nos informar e combater com seriedade, mas sem nos deixar enganar pelos moinhos de Dom Quixote. E para concluir tudo isso, em relação ao Angst te deixo com Gilberto Gil que sabiamente nos diz que ela só termina quando depois de viver,
Correr, perder peso, curar, ficar são
Solta
Com a alma no espaço
Vagarás, vagarás, te tornarás bagaço
Pedaço de tábua no mar
Dia, após dia boiando
Acabarás perdendo a ansiedade, a saudade
A vontade de ser e de estar
Livre
Das dentadas do mundo
Já não terás, no fundo, desejo profundo
Por nada que não seja Bom
Não mais
Que um pedaço de tábua
A boiar sobre as águas
Sem destino nenhum