Pôr de Sol em Lisboa

Adoro voar, sempre gostei.
Comecei a voar aos tres anos e a voar sozinho aos cinco. Meus pais me despachavam naqueles DC-3 da Panair e nem no aeroporto eles me levavam pois na época havia kombis que te buscavam em casa. A aeromoça que me cuidasse.
Claro que eu adorava o paparico das aeromoças pois naquela época só havia Mentos da Van Melle nos aviões e elas me enchiam os bolsos. E além de tudo ainda me levavam na cabine do piloto.

Além de curtir vôos comerciais quando eu era adolescente voava e pilotava planador num aeroclube. Havia um piloto da Varig, pai de um amigo de escola, e instrutor do aeroclube que lá nos levava nos fins de semana.
Gosto de voar em qualquer coisa e já quebrei braço, coluna e pescoço num acidente de asa-delta. Fico feliz quando preciso viajar mesmo que seja a trabalho por que sei que um vôo me espera.
Navego, observo, curto, e às vezes chateio a tripulação. Baseado naqueles mapas que as revistas de bordo têm, calculando a distancia pela velocidade de cruzeiro que em geral é de 800 a 850 km e me orientando pela posição do sol consigo me posicionar.

Certa vez em um vôo pedi à aeromoça para confirmar com o piloto se estavámos sobrevoando uma certa montanha, estávamos. Depois pedi para perguntar de novo ao piloto se aquele era um certo lago, era. Depois quando pedi outra informação, agora já por uma terceira vez, ela voltou com um convite do piloto para ir à cabine. Tipo assim: trás esse chato logo para cá.
Foi ótimo, conversei muito e vi tudo muito melhor.

A coisa mais bonita que já vi pela janela de um avião aconteceu num vôo de Lisboa para Amsterdã, rota norte subindo a costa.
O vôo era no exato final da tarde. Portas fechadas, cabine pressurizada, reboque terminado, o avião começou a se dirigir para a cabeceira da pista para iniciar a decolagem.
Chegando lá o avião não decolou imediatamente, ficou a esperar pela liberação da torre de controle.
Da minha janela eu estava assistindo o começo do por de sol. Como era um por de sol típico de outono eu torcia para que a autorização de decolagem demorasse. Demorou mesmo e deu para assisti-lo por inteiro. Lindo.

Logo após o sol desaparecer sinto o avião trepidar com as turbinas à plena potencia iniciando a decolagem. Trinta e dois segundos depois, decolagens em jatos médios variam sempre em torno dos trinta segundos, estávamos decolando.
Olhando pela janela o sol que acabara de se por começou a subir no horizonte, começou a nascer. Isso por causa do fato de estarmos subindo e vendo-o de uma posição relativa mais alta que a do solo. Lá estava o sol a nascer, e era um nascer lindo, como se fosse um novo dia.
Depois da subida inicial, o avião já quase em altura de cruzeiro começa a diminuir a velocidade de subida. Esta nova posição relativa fez com que o sol começasse de novo a descer em relação ao horizonte. Para mim ele estava se pondo pela segunda vez no mesmo dia!

Este segundo por de sol além de muito bonito teve uma característica deslumbrante: como continuávamos a subir, agora mais lentamente, nossa altura relativa variava devagar e por isso o por de sol levou muito mais tempo que o normal sendo assistido de um avião em subida suave.
Absolutamente maravilhoso.
Foi como se depois de um belo por de sol você pedisse a Papai-do-Céu:
- Puxa, foi tão bonito. Dá pra o Senhor repetir?
- Claro meu filho, é só pedir.