Delícias Pernambucanas

Café da manhã em Recife.
Primeiro você precisa acordar num domingo de verão em Casa Forte depois de uma noite de farra no sábado com os amigos. Casa Forte é a região do engenho de açúcar da Branca Dias uma heroína do Brasil Colonial no século XVI.

Branca é um dos personagens mais ricos da dramaturgia brasileira em O Santo Inquérito do Dias Gomes. Dina Sfat dizia que ela é tão difícil e complexa de interpretar quanto Lady Macbeth ou Blanche Dubois. Branca foi uma das primeiras mulheres a ser senhora de engenho e a primeira mulher a manter uma sinagoga em suas terras. Cristã nova foi acusada de praticar o judaísmo. Antes de ser presa atirou sua baixela e objetos de prata no açude, as águas tornaram-se claras, hoje chama-se Açude do Prata. Levada a Lisboa foi condenada pela Inquisição. 

Domingo típico. Quente de sol brilhante, intenso de azul profundo. A glorious day.
Saia de casa com seu amor à procura de um restaurante típico, talvez o Parraxaxá, para se entregar a outros prazeres. Mas desfrute com moderação.
Queijo Coalho.
Na entrada fatias de queijo coalho frito. Um queijo de vaca que usa na coagulação as enzimas gástricas da própria vaca. Levemente salgado, sabor ácido e intenso. Era curado originalmente nas traves ou no forro quente das casas logo abaixo do telhado até ficar muito rijo. Branco tem muitos pequenos furos, menores que num Emmental, derrete como um Raclette, frito em manteiga forma uma crosta marrom crocante. O queijo é um precioso achado gastronômico, imperdível teria uma appellation d'origine contrôlée na Europa.

Charque.
Sirva-se de pequenos pedaços de charque (jabá, carne seca, jerked beef) bem frita acompanhados de macaxeira (aipim, mandioca) cozida e bem macia regada com manteiga de garrafa (manteiga liquefeita). Um crime contra o colesterol, uma benção para o paladar. A charque levemente salgada e crocante contrasta com a maciez da macaxeira. A manteiga de garrafa completa o sabor umedecendo a macaxeira.

Agora vamos ao Cuscuz.
Trazido pelos escravos muçulmanizados do Magreb no norte da África aqui ele se adaptou. No cuscuz a sêmola de trigo foi substituída pelo farelo de milho. O carneiro substituído pelo bode. O farelo de milho é mais forte e saboroso que a sêmola. O bode ainda mais saudável que o carneiro é uma das carnes vermelhas com menos colesterol que existe. Mas quem está preocupado com estas taxas? O bode é guisado (ensopado, cozido) em um molho forte de alhos, cebolas, tomates, coentros e pimenta. Coloque o molho por cima do cuscuz.

Chegou a hora do Sarapatel. Pule esta parte se você não estiver preparado.
Uma delícia portuguesa trazida do Alto Alentejo servida no Natal pela época da matança do porco (*). Na Ilha da Madeira tradicionalmente é a primeira refeição do dia. Feito de sangue e miúdos do porco é um prato forte, escuro, de sabor muito intenso. Primeiramente lavado com limões aqui ele é guizado com pimentões, hortelã, cebolinha verde, coentros, cebolas, tomates, pimentas-de-cheiro, alhos, cominho e louro. Em Goa na Índia acrescenta-se açafrão e canela.
Sirva-se com um pouco de farinha de mandioca, umas gotas de limão, machuque umas pimentas-de-cheiro.

Agora a sobremesa. O Bolo de Rolo.
Uma delícia que já foi tombada como patrimônio cultural e imaterial pelo Estado pernambucano. Originário do Rocambole francês e do Colchão de Noiva português aqui ele se adaptou e virou um doce fantástico.
Feito de farinha de trigo, ovos, manteiga e açúcar ele tem muitas camadas, muito finas, intercaladas de goiabada derretida, enroladas uma por cima da outra. O bolo de rolo exige muita experiência, perícia e uma enorme paciência pois cada camada tem de ser assada no forno de per si, retiradas cuidadosamente da assadeira, esfriadas, cobertas com a goiabada derretida e sucessivamente enroladas nas camadas anteriores. Um trabalho enorme que vai recompensar seu paladar. Você vai repetir com certeza.

Bem convenhamos que já está na hora de parar, respirar fundo e voltar.
Chegando em casa ligue o ar-condicionado e se deixe levar por maiores delícias pernambucanas. Desfrute sem moderação. Você está tendo uma manhã de Graça.

(*) Vide a festa alentejana d' O Porco é o Tesouro em
 www.camaracorrea.com/2012/05/o-porco-e-o-tesouro.html