Perspectivas para a Crise

Vinte e um de Junho. Primeiro é preciso limpar os óculos, é preciso separar o que realmente está acontecendo do que chama ou desvia a atenção.
Saques e vandalismo são comuns e normais em situações de agitação social ou de exceção, independe de orientação politica. Acontecem tanto à direita quanto à esquerda, durante insatisfações em geral, situações de enchentes, terremotos, greves etc... É normal e não se relaciona com ideologia.
Evidentemente que é um dos aspectos que mais desperta os meios de comunicação. Esqueça isso para poder ver o principal.

O principal é que parte da população está cansada e revoltada com a corrupção, impunidade e desfaçatez da classe política. Não tem ninguém inocente nessa história, esqueça qualquer tipo de preferência politica e admita: a representação política está podre.
A presidente não tem experiência para lidar com isso, foi eleita pela preferência de uma única pessoa, na verdade foi indicada como herdeira, uma garantia de continuidade. Isso é fato. Tanto que na primeira crise recorreu ao padrinho e a seu marqueteiro. O padrinho sabiamente mandou recuar e determinar a volta das tarifas. Alguns Estados fizeram isso antes de SP e RJ.

Havia que recuar para aliviar o motivo, a gota d’água, a pressão da panela. Mas o motivo principal permanece, o sistema esta podre, a população não suporta mais. Principalmente por que já está sentindo no ar que uma crise econômica se aproxima e sentindo no bolso que a fantasia de crescimento mágico acabou.
É um fato que qualquer economista idôneo enxergava.
O crescimento estava a reboque de um excesso de liquidez no mercado financeiro internacional, do crescimento chinês, da exportação de commodities e dependente do consumo da nova classe media. Só que o crescimento chinês diminuiu, há uma crise econômica internacional e o consumo da nova classe média era baseado em subsídios e financiamentos que evidentemente têm um limite, uma bolha de consumo.

O governo esta tentando manter este consumo, por exemplo, com o Minha Casa Melhor para financia-lo não mais com dinheiro do mercado, mas com emissão de moeda colocando recursos em bancos estatais, o que evidentemente vai agravar a inflação piorando as coisas.
O crescimento recente não foi fruto de uma política econômica consistente nem muito menos de longo prazo. Foi mais um dos “milagres brasileiros” que periodicamente acontecem naquele espírito de “o país do futuro”. Fantasia que a realidade desmascarou.

Estas manifestações não vão durar para sempre.
O movimento é real, legítimo e tem motivos concretos. Mas o país não vai nem entrar nem permanecer no caos por que há interesses econômicos e a inércia da atividade econômica não acaba facilmente. As manifestações vão se acalmar como a Primavera Árabe.
As manifestações tendem a esquentar e depois esfriar por que mesmo sendo espontâneas não têm nem uma liderança nem um programa. O que vai acontecer é uma dessas possibilidades:

1. O governo esfria a cabeça e vai entregando e/ou fingindo entregar e atender uma por uma as reivindicações mais críticas e faz algum ato grandioso acalmando o tigre até sacia-lo. É o que o empresariado e as classes econômicas estruturadas vão aconselhar e exigir.
2. O governo convoca uma Constituinte e a coisa toda se acalma. É histórico.
3. O governo perde a visão e a iniciativa, a situação cresce e aparece um líder do nada, meio messiânico, um salvador da pátria qualquer com um discurso de limpeza ética. Poderá ser alguém da direita religiosa.
4. O governo perde a cabeça, decreta algum tipo de estado de emergência e assume poderes maiores. Um golpe de esquerda bolivariana que muitos setores radicais desejam e fomentam.
5. Golpe militar é pouco provável. Os militares estão sem força para ir em frente com um golpe e sem credibilidade para isso.
6. O ex-presidente anterior reaparece.
O mais provável é que aconteça a primeira, a segunda ou a sexta situação acompanhadas de algum gesto dramático que acalme as massas, mas confesso que temo pela terceira.

Uma pesquisa realizada pelo Data Popular, antes das manifestações, entre jovens de 18 a 30 anos mostra que eles confiam mais em si mesmos, em Deus e na família do que no governo. Setenta e cinco por cento não confiam no Governo, sessenta por cento não confia na Justiça. Eles representam mais de 42 milhões de eleitores, 33% do total.
Segundo o Datafolha 84% das pessoas que foram ao protesto em São Paulo no dia 17 não têm preferência partidária. Elas são a base e o motor inicial das manifestações.
Há uma nova classe média, uma grande maioria silenciosa que tem valores conservadores, que agora está mostrando a cara, que está se fazendo ouvir.
A direita religiosa pode perfeitamente se aproveitar deste vácuo político. Os evangélicos poderão ser uma força poderosa e mobilizadora tanto numa crise quanto numa Constituinte.

Pessoalmente prefiro uma faxina “mãos limpas” dentro de um projeto social democrata. Mas talvez seja sonhar demais. O país é muito diverso socialmente. O povo não tem tradição nem vivência democrática. Vota pela barriga e é sempre direcionado de forma imediatista.