Uma Rainha Carioca

Tá chegando o Carnaval.
Mas nem só como rainhas de bateria de escolas de samba vivem as cariocas. Uma delas foi uma rainha de verdade. D. Maria II, rainha de Portugal, nascida no Rio de Janeiro.
Filha de portugueses e austríacos a gata era loura como a Helô Pinheiro. Não era de Ipanema, mas essa garota do Rio provocou arrepios. Mais que arrepios, provocou uma guerra civil.

Maria da Glória Joana Carlota Leopoldina da Cruz Francisca Xavier de Paula Isidora Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga nasceu no Rio em 4 de Abril de 1819 filha de D. Leopoldina e D. Pedro I, sobrinha neta de Napoleão Bonaparte. Herdeira do trono português a menina teve uma vida de princesa de contos de fada, cheia de aventuras, fugas, traições, lutas, e claro, um final feliz.

Maria da Glória, já como Duquesa do Porto, deixou as praias cariocas para seguir seu destino de rainha, mas foi vítima de um tio malvado. Muito malvado. Super malvado.
D. Miguel depois de jurar lealdade, assumiu a regência enquanto a gata se preparava para reinar. Mas o cruel titio duas semanas depois de assumir, a regência fique claro, mudou de idéia, deu um golpe na menina e sentou no trono. E disse daqui não saio daqui ninguém me tira.

A pobre menina teve de desistir de seus sonhos de princesa para não perder o lindo pescoçinho depois de perder a coroa. Um sufoco federal, digo, um sufoco real. A pequena sereia logo pensou em correr para o colo do vovô que era imperador da Áustria, mas nem pensar. Era lá em Viena que estava o maquiavélico Metternich que tinha arquitetado o golpe contra ela.
A propósito Maquiavel não tinha nada de maquiavélico, era até bonzinho, mas esse Metternich era um vilão tenebroso que queria acabar com os sonhos de nossa princesinha carioca.

Tudo isso aconteceu no meio da viagem do Rio para Lisboa. Maria da Glória tinha saído de casa, largado o pessoal da praia e tudo o mais,  para ser rainha de Portugal e agora não tinha mais trono, não sabia nem para onde ir. Ó céus que fazer? 
London, London, cochichou o Marquês de Barbacena o fiel escudeiro que acompanhava a princesa na viagem. E para lá se foram os dois.
Mas a barra em Londres também não estava nada fácil e a doce princesinha não teve outra saída a não ser voltar para os braços do Redentor. Aliás, ainda não, na época só havia mesmo o Morro do Corcovado. Limpinho sem nada em cima.
Mas antes de voltar para o Rio a princesinha que já era órfã, tadinha, saiu de Londres e foi se encontrar com a futura madrasta D. Amélia de Leuchtenberg. O paizão, queria que as duas seguissem viagem juntas para o Rio.

E agora? Será que a D. Amélia seria uma má-drasta perversa? Ó Céus!
Depois de um tio malvado entra uma madrasta na vida da princesinha órfã e destronada. A viagem era longa, levou um mês e meio. Tudo poderia acontecer. Todo mundo sabe que a madrasta poderia perfeitamente aproveitar a viagem de barco e no meio da noite jogar a princesinha no mar, aos tubarões.
Mas correu tudo bem. D. Amélia era gente-boa e a princesa chegou sã e salva de volta às praias cariocas.

No Rio o papai estava furioso. Uma fera.
E com razão. D. Pedro I havia sido proclamado rei de Portugal e abdicado do trono para que sua filha favorita se tornasse rainha. E agora eis que surge este tio mau-caráter atrapalhando tudo.
O paizão estava transtornado, queria prender e arrebentar. Largou tudo no Brasil, pegou a princesinha pelo braço e lá se foi defender o trono da filhota. Deu até em samba com o pessoal da praia dizendo que o português agora foi-se embora, já deu o fora e levou seu capital, esqueceu quem tanto amava outrora, foi no Adamastor pra Portugal.

Ops, corta, corta.
Isso aí de cima Noel Rosa só foi dizer mais de 100 anos depois. Mas que a princesinha, quando soube que ia novamente pra Europa, perguntou ao papito com que roupa que eu vou, isso perguntou. Afinal eles iam primeiro para a França. E foram.
Da França D. Pedro I partiu pra luta e deixou Maria da Glória em Paris mesmo. Ó céus! Como sofrem as princesas cariocas. Pelo menos agora já dava pra comprar umas roupinhas mais fashion.

Bem, vamos ao final feliz.
A baixaria virou barraco e o barraco virou uma guerra civil em Portugal. A disputa ainda hoje alimenta rivalidades entre tripeiros e alfaçinhas, digo entre o pessoal do Porto e o de Lisboa.
D. Pedro I encarou, jogou pesado e tirou o irmão mau-caráter da jogada. A princesinha, que continuava passeando nas margens do Sena, respirou aliviada. A confusão toda durou seis anos até que nossa carioca tivesse um trono para chamar de seu.

Enquanto as meninas de hoje morrem por um título qualquer, Maria da Glória colecionou vinte títulos. Vinte títulos nobiliárquicos, de princesa a rainha além de duquesa, marquesa e condessa. Um luxo. 
E olha só. Maria da Glória, digo Sua Majestade Real D. Maria II foi uma ótima rainha de Portugal. Muito amada pelos portugueses, nossa rainha carioca ficou conhecida como A Educadora e A Boa Mãe.
Uma coisa que nem todas as princesinhas de hoje em dia podem ser acusadas.