Salazar e a Neutralidade Portuguesa

Um dos membros do regime de Salazar admite que depois da extração do ouro brasileiro no período colonial, a Segunda Guerra Mundial foi o período economicamente mais lucrativo para Portugal.
O país permaneceu oficialmente neutro no conflito e ganhou uma fortuna. O tungstênio de Portugal, metal essencial para a indústria de guerra era vendido para os dois lados do conflito.

Lisboa pobre e decadente acordou, enriqueceu, se transformou em cenário de romance, intrigas, conspiração, espionagem, traições e jogo duplo. A cidade ocupa uma posição estratégica privilegiada como limite ocidental do continente, entrada para o Mediterrâneo e saída segura para o Atlântico, America do Norte, Africa e América do Sul. Espiões e agentes tanto da Alemanha quanto dos Aliados conviviam, se vigiavam, conspiravam e eram espionados pela PVDE a policia secreta do temido capitão Agostinho Lourenço.
Refugiados de todos os tipos enchiam à cidade à espera de uma oportunidade de deixar a Europa. Lisboa, Casablanca II.

O SOE - Special Operations Executive - serviço secreto britânico mantinha entre outros um agente na cidade, Ian Fleming. Ele além de arquitetar a Operação Golden Eye passava as noites a jogar vinte e um no Casino do Estoril, o único grande cassino que permanecia aberto na Europa. Fleming mais tarde criou o agente 007. A cena em Cassino Royale quando o perverso espião Le Chiffre perde tudo numa mesa de jogo vem destas noites. Muito mais tarde On Her Majesty's Secret Service seria filmado em Portugal. A cena clássica, “my name is Bond, James Bond” jogando vinte e um numa mesa de cassino foi inspirada nesta época de Ian Fleming no Casino do Estoril.
Na região do cassino, na praia do Estoril a Cascais, belas agentes alemãs se bronzeavam na areia, se fazendo passar por cidadãs suíças neutras, tentando seduzir funcionários graduados dos Aliados.

A Abwehr, o serviço secreto da Wehrmacht, as forças armadas alemães, tinha uma forte presença  na espionagem, contra-espionagem e no contrabando em Portugal. Em Lisboa a Abwehr montou alguns bordéis e financiou outros na região do porto para espionar marinheiros aliados e conseguir descrição de rotas, carregamentos, datas de chegada e de partida. As informações eram importantes tanto para o controle do movimento de cargas e passageiros quanto para o planejamento de ataques navais dos U-boats, os temidos submarinos nazistas que infestavam o Atlântico.
Não funcionou: as meninas estavam na folha tanto dos alemães quanto da contra-espionagem britânica.

Salazar temendo perder o império colonial, sob ameaça de uma invasão alemã e desconfiando de uma invasão espanhola equilibrava-se na corda bamba fazendo jogo duplo.
Chamberlain, primeiro-ministro britânico, havia oferecido Angola aos alemães, sem consentimento dos portugueses. Os alemães ameaçavam invadir o país caso Portugal interrompesse o fornecimento de matérias primas. Americanos e britânicos faziam exigências em relação às ilhas portuguesas dos Açores.

A Espanha tinha planos de invasão e anexação de Portugal. Os fascistas espanhóis insistiam na captura do vizinho. Em Maio de 1941 a Espanha fez planos militares formais e detalhados para iniciar a invasão de Portugal. O governo de Salazar sabia e tinha desenvolvido com os britânicos a Operação Panicle, um planejamento para fugir para as ilhas dos Açores, sabotar Lisboa, inviabilizar o rio Tejo, explodir o porto da cidade, os reservatórios de combustível e suas estruturas urbanas.
O Estado-Maior britânico, confirmando o velho ditado português “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”, sabia dos planos militares dos espanhóis e calculou que Franco levaria três semanas para invadir e conquistar Portugal.

Tanto a BOAC inglesa quanto a Lufthansa alemã operavam vôos, lado a lado no aeroporto de Lisboa. As listas de cargas e passageiros eram disputadas pelos serviços de espionagem.
A Lufthansa operava vôos noturnos clandestinos partindo de Madrid carregados com barras de ouro e saques de guerra. O mercado de ouro, diamantes e obras de arte movimentavam a cidade. Com enorme oferta as cotações desabaram. Museus se abasteceram com obras de arte de refugiados judeus desesperados por dinheiro.
Grandes operações financeiras ligadas à guerra eram realizadas. Escroques, banqueiros, espiões e aventureiros de todo o tipo enchiam os bares e cafés da cidade.

Famílias reais exiladas de seus países invadidos, refugiados de todos os tipos, ex-prisioneiros de guerra e judeus fugindo das perseguições conviviam na cidade com agentes da Gestapo e espiões da Alemanha. Organizações clandestinas recebiam e ajudavam judeus. Os hotéis, que viviam repletos, tiveram de se ampliar, era quase impossível encontrar um quarto para ficar, uma diária equivalia ao salário mensal de um português. Milhões de refugiados passaram pela cidade.
Lisboa era a única cidade da Europa completamente iluminada, vinte e quatro horas por dia. Lisboa, a Cidade da Luz.

O ouro substituiu o papel moeda nas enormes transações e pagamentos. Terminada a guerra o Banco de Portugal, banco central português, estava repleto das barras de ouro nazistas que pagaram pelo tungstênio. Os aliados contestaram a posse deste ouro por ter sido originado dos saques alemães nos países invadidos e saqueados das vítimas do Holocausto. Todos os países neutros que tinham este ouro tiveram de entregá-lo, praticamente todo, aos Aliados.
Portugal não devolveu, em troca negociou com os Estados Unidos uma base militar nos Açores. A Base das Lajes é operada pelos americanos até hoje.

Salazar astutamente conseguiu salvar Portugal da ruína e enriquecer o país no período. No melhor estilo de que países não têm amigos, têm interesses.
Entre 1937 e 1939 havia um déficit na balança comercial de cerca de 660 milhões de dólares. Pouco depois em 1942 o déficit já tinha se transformado em um superávit de mais de um 1 bilhão de dólares em valores atuais. Para um país muito pobre na época são valores absolutamente espantosos.
Já em 1943 a receita em impostos do Estado tinha aumentado 44%. Os recursos mantidos no banco central português o Banco de Portugal triplicaram.

Durante os anos da guerra os bens nos bancos privados portugueses dobraram. O mais beneficiado de todos foi o Banco Espírito Santo que atuava como um braço financeiro de Salazar. Ricardo do Espírito Santo, da família controladora do BES, amigo íntimo de Salazar, foi presidente do banco e conduziu transações milionárias no período.
Logo depois do fim da guerra, no dia 16 de Junho de 1945, o Times de Londres noticiou que o banqueiro tinha sido preso e interrogado na França por ter comprado, nas semanas finais do conflito, um castelo, fazendas e outras propriedades pagando com títulos de bancos franceses provavelmente saqueados pelos nazistas durante a ocupação.

A riqueza do Estado português mais que triplicou.
Além dos incontáveis recursos espalhados pelo mundo em contas de paraísos ficais calcula-se que apenas em ouro cerca de 400 toneladas permaneceram no país nas mãos do Estado. Pelas cotações do ouro em 2013 são valores na casa entre 38,2 e 41,8 bilhões de Reais.
Estes recursos foram zelosamente guardados, duraram décadas e ajudaram Portugal a financiar sua entrada na Comunidade Europeia mais de quarenta anos depois.

Salazar, ex-seminarista, era católico fervoroso. Durante seus anos de estudos em Coimbra tornou-se grande amigo e colega de quarto de Manuel Cerejeira com quem dividiu residência por 13 anos. Cerejeira tornou-se Patriarca de Lisboa, cardeal e serviu por 48 anos. Foi Cardeal de 1929 até 1977.
Em 3 de Maio de 2000 a BBC transmitiu um noticiário sobre a relação entre a Igreja Católica Portuguesa e o ouro nazista. A Igreja admitiu que guardou ouro alemão até meados da década de 1980.
A reforma do Santuário de Nossa Senhora de Fátima foi pago com barras de ouro nazistas vindas do Banco de Portugal vendidas entre 1982 e 1986.