As Cores e a Gastronomia de Miranda do Douro

POR TAANIT CORRÊA

A Gastronomia em geral e a regional em particular abrange não apenas a culinária, mas as bebidas, os materiais usados na alimentação e todos os aspectos culturais de uma região como o vestuário, a música e a dança.
Todos estes elementos realçam suas cores, um dos mais fortes componentes da arte gastronômica.

Uma cidade e sua região.
Mirando do Douro, em mirandês Miranda de I Douro, é uma cidade portuguesa do Distrito de Bragança, na região do Alto Trás-os-Montes, que sendo muito única, tem até sua própria língua o Mirândes. Ergue-se imponente na margem direita do Douro que a separa da província espanhola de Castela e Leão e existe como povoado desde a idade do Bronze.
No século VIII, os Árabes conquistaram-na e deram-lhe o nome de Mir-Andul que depois derivou para Miranda. No início do século XII D. Afonso Henriques teria mandado fortifica-la.
Por sua importância estratégica D. Dinis concede-lhe foral em 1286 e no século XVI o Papa Paulo III concedeu-lhe o Bispado de Mirando do Douro. Finalmente a 10 de Julho de 1545 o rei D. João III atribui-lhe a categoria de cidade. 
Sua posição fronteiriça ganhou significado nos diversos conflitos com os espanhóis e franceses e já em 1640 Miranda era a localidade militarmente melhor apetrechada em todo o Nordeste Transmontano. Não obstante foi conquistada pelos espanhóis em 1762 na chamada guerra dos sete anos, ou como também é conhecida, a guerra do Mirandum.
Neste conflito o dia 8 de Maio marcou para sempre a cidade quando o paiol da Praça com cerca de 30 mil quilos de pólvora explodiu matando mais de 400 pessoas. Miranda ficou praticamente destruída e perdeu importância no séculos seguintes.

Os elementos da cultura das Terras de Miranda
Miranda do Douro, eminentemente rural, se destaca pela pecuária, vinicultura e olivicultura. Produz vinhos brancos e tintos como o Pauliteiros, Lhéngua Mirandesa e Ribeira do Corso. Lá é feito o azeite extra virgem da Terra Fria, o Casa dos Pradas.
O concelho tem várias raças autócnes como a bovina Mirandesa, a Churra Galega Mirandesa, a asinina Mirandesa e o cão de gado Transmontano.

Longos e frios invernos seguidos de verões curtos e quentes, quase sem transição, identificam a Terra Fria como de "nove meses de inverno e três de inferno" na expressão popular. O Inverno chega a extremos muito baixos com período de geadas nos meses de Outubro a Maio, deixando-a coberta de branco.
Nos Verões quentes e secos o solo xistoso absorve a água deixando a paisagem verde apesar de árida formando um contraste único e tornando possível uma grande variedade de flora. Umas alimentando os gados, outras utilizadas na mesa como as castanhas e nozes.
As paisagens ficam ainda mais coloridas pelas malhadas, as pastagens naturais de sequeiro usadas no pastoreio de ovinos.

Na Terra de Miranda, e em todo o Planalto Mirandês, ainda hoje se celebram as festas solsticiais de Inverno. São rituais de profundo significado mitológico, ritos de iniciação, mitos do eterno retorno.
A dança típica de Miranda é a dos Pauliteiros, uma dança comum à Península Ibérica que une tradições militares dos povos autóctones, dos greco-romanos, dos medievais e de outros.
Embora a Dança dos Pauliteiros possa ter existido anteriormente terá vindo para Miranda com os repovoadores do reino de Leão.

Posteriormente os povos conservaram estas danças para celebrarem a recolha dos frutos e dos cereais, assim como a passagem dos solstícios de Verão e Inverno.
Os trajos utilizados são militares e constituídos por enáguas (saias) brancas, camisas de linho brancas, coletes com lenços coloridos sobrepostos e chapéus negros com flores coloridas.

O brasão do concelho de Miranda do Douro é constituído por armas de ouro com um castelo vermelho, aberto e iluminado à prata. A torre central é encimada por um crescente de vermelho apontado ao centro do escudo. A Coroa mural é de cinco torres de prata com um listel com os dizeres “Cidade de Miranda do Douro” a negro.
O ouro indicado para o campo heráldico é o metal rico que significa felicidade, constância e poder. O castelo e o crescente são em vermelho que significa vitória, ardis e guerra. E o castelo aberto e iluminado é de prata metal que significa humildade e riqueza. 

O traje regional mais significativo é a Capa de Honra que seria usada quase exclusivamente por pessoas com alto nível econômico. A amplitude da capa de honras indica a capacidade económica do utilizador.
O capuz, com capeto, inteiramente bordado, termina numa larga faixa denominada Honra cujo tamanho é representativo da riqueza e importância do utilizador uma vez que a peça necessita de 10 metros de burel, um tecido de lã pisoado.
O nome Honra não provém unicamente do seu uso por pessoas ricas e nobres, mas por ser muito trabalhada. 
A Capa de Honra era também usada pelos boieiros, que a utilizavam não só como protecção contra o frio e a chuva, mas também para se deitarem sobre ela enquanto andavam nas suas fainas.
Nos dias de hoje ela é indispensável em qualquer tipo de cerimônias.

Na Metalurgia, a arte do Ferro e seus trabalhos foram forjados por uma pleíade de ferreiros anónimos que ao longo do tempo trabalharam os pica-portas das casas mirandesas, forjaram os apetrechos da lavoura, as facas, as relhas, as machadas, os calagoiços, as grades das varandas e muitos dos apetrechos de cozinha.
Na tecelagem a utilização de fibras de origem animal é antiga e provem dos ovinos, que existem na região. Perdem-se nos tempos os saberes de trabalhar a lã pelas mulheres a cardar, fiar, tecer e utilizar nas suas várias formas a lã.

Os sabores da região
Os sabores de Miranda, indubitavelmente agrestes como as paisagens, são fruto de uma cultura de hábitos profanos. Exemplo é a famosa Posta Mirandesa surgida de forma humilde, no instintivo e único gesto de atirar um naco de carne para cima de uma grelha quente, colocando-lhe sal grosso e servido-o em cima de um pedaço de pão caseiro.
Desta forma, e sem atentar muito bem a preciosidade do que serviam, os taberneiros das feiras de gado enchiam o estômago a quem apreciava a boa carne de Miranda.

Como a Posta Mirandesa, os outros elementos da cozinha tradicional são simples, utilizando a carne das raças autóctones da região, não muito condimentadas mas fortes para sustentar e dar força aos trabalhadores que suportam o clima agressivo.
A gastronomia tradicional é composta pela posta de vitela da raça bovina Mirandesa, o cordeiro de raça Churra Galega Mirandesa, enchidos de porco, produtos de caça como perdiz, coelho, javali e lebre e mais as castanhas. Em pratos de peixe está presente o bacalhau e o polvo.
Frequentemente assadas na brasa, estas carnes e peixes apresentam cores fortes e quentes, em tons de castanho e branco, acompanhados por grelos, batatas, castanhas, arroz, pão e cascas, feijão seco dentro das vagens, que acentuam as cores castanhas, exceptuando-se o verde dos grelos.
No fumeiro, podem-se encontrar as tradicionais alheiras, o butelo com cascas, o salpicão e a chouriça.
Na doçaria, são tradicionais as Súplicas, os Sodos, os Roscos e a Bola Doce Mirandesa.

As cores da gastronomia de Miranda
Em todos os elementos culturais e da gastronomia de Miranda estão presentes o vermelho, vários tons de castanho, o preto e branco.

O Branco.
Presente nas geadas do inverno, nas toalhas de mesa bordadas, nos trajes tradicionais dos pauliteiros, no bacalhau, na batata cozida, no arroz e no miolo do pão de trigo, complementa os pratos dando a leveza e frescura que os enchidos e as carnes não dão.
O branco forma um contraste que realça a rusticidade do prato, tradicionalmente servido em barro, a lembrar as geadas brancas em contraste com o solo árido, típicos da região.
Sendo uma região de culturas agrícolas e pastos nela vivem trabalhadores árduos que mantêm as culturas e cuidam do gado. Assim depois de um longo dia de trabalho o branco presente na refeição dá ideia de limpeza e tranqüilidade. A recompensa de um dia de trabalho produtivo e a presença do divino, dando as boas vindas ao descanso.

O Vermelho
Ele é encontrado na carne e nos enchidos, como a chouriça, o butelo e o salpicão, no polvo, no sangue dos animais sacrificados, no fogo que aquece as casas das aldeias e que prepara as refeições, presente nos lenços dos Pauliteiros e no brasão da região.
Esta cor nos pratos dá a ideia de calor e de conforto lembrando as festas tradicionais, como a fogueira comunitária no Natal, ou as bancas de fumeiros presentes nas festas. Todos estes elementos unidos fazem com que este vermelho dê a ideia de comunidade, de união e de tradição. Além da ideia de sustentação que a carne dá em contraste com o peixe que se pensou ser menos nutricional que a carne.

O Castanho
Esta cor está presente nas castanhas, nas nozes, na Bola Doce Mirandesa e na canela da mesma, na alheira, na carne assada, no barro dos utensílios de cozinha, na madeira dos talheres e nas facas de Palaçoulo, nos coletes e sapatos dos Pauliteiros na Capa de Honra. Na batata assada, no pão cozido, no solo árido da região, no azeite. Na madeira das próprias casas, da mesa e dos objectos.
Sendo uma cor natural traz uma sensação de comodidade e conforto, de tradicional e antigo. É a cor dos materiais rústicos e é muito experienciada em Miranda do Douro onde a tradição é respeitada e conservada com cuidado. O castanho à mesa realça os sabores intensos das comidas, mesmo que pouco condimentadas.

Na cultura Mirandesa, o castanho está presente em elementos de honra e orgulho como na Capa de Honra. Esta presente na madeira e nas peles para o fabrico das gaitas de foles e bombos da sua música tradicional e na cor das suas raças autóctones.
Todos estes elementos fazem do castanho uma cor importante na cultura Mirandesa e sua presença nos pratos remete a emoções positivas e acolhedoras.

Cores fortes e escuras, como o Castanho e o Vermelho dão a ideia de que o alimento é mais substancial, que alimenta mais, que é mais pesado.
Uma imagem positiva para os trabalhadores que esperam encontrar um bom prato quente quando chegam a casa depois de um dia árduo nos campos e pastos, e que encontram no branco das toalhas a ideia de limpeza, tranqüilidade e a recompensa de um dia de trabalho produtivo.

TAANIT CORRÊA é formada pela Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, Portugal.