Os Pobres Chegaram

Muita gente no Brasil tem saudades da época em que a música era do excelente nível da bossa-nova e dos compositores como Jobim e Vinícius ao invés de bandas tipo Calipso e Calcinha Preta, para dizer o mínimo.

A resposta está no mercado. Em quem consome, em quem paga a conta.
Para o bem e para o mal, a queridinha do mercado consumidor brasileiro é a nova classe média. Segundo a Fundação Getulio Vargas as classes C e D representam mais da metade do mercado consumidor brasileiro.
Apenas a classe C representa um terço do mercado consumidor total e consome 70% do mercado de telefones celulares.
Mesmo a classe D que tem renda de pouco mais de mil e cem reais já ultrapassou em poder de compra a classe B, a classe média tradicional.
Essa nova classe média é responsável por colocar no mercado brasileiro R$ 1,1 trilhão. Um volume de recursos maior que o PIB de Portugal.

Para ilustrar este é o perfil de renda em Reais das classes econômicas no Brasil:
A  acima de 10.000
B   4.408  a 10.000
C   1.115  a   4.408
D      803  a   1.115
E          0  a     803

Nos últimos 20 anos essa massa enorme, as classes C e D,  começou a emergir da pobreza.
Agora são elas que influenciam os produtos de consumo, cosméticos, companhias de aviação, refrigerantes, telecomunicações, magazines de roupas, construtoras e incorporadoras, produtores de música, cinema, televisão e a mídia.
Eles são o público a ser atendido, a eles se deve agradar. Ponto.

Voltando ao padrão musical medíocre.
Pessoas pouco educadas em geral gesticulam muito, falam alto e têm pouco controle da voz. Seu vocabulário é pequeno. Sua preferência musical não poderia ser diferente.
Recém-chegadas da pobreza, a educação formal e a capacidade de convívio social dessa massa emergente é baixíssima, quase nula. A capacidade de elaboração cultural restrita.
Seus ídolos e suas celebridades também não podiam ser diferentes.
Paciência. Em mais uma ou duas gerações o padrão pode mudar.

A Classe BR - br de baixa-renda - como foi carinhosamente apelidada pela tradicional classe média ouve música non-stop. Tecno-brega, forró, axé, evangélica e forró. E alto, muito alto. Principalmente em seus carros.
Falam muito e ao mesmo tempo, em geral sobre temas policiais, futebol, sexo e novelas.
Têm sua própria religião, em geral são neo-pentecostais baseados, compreensivelmente, na Teologia da Prosperidade. Os que se sentem mais cultos se dizem kardecistas.

Todos têm cartões de crédito, mesmo que de baixo limite. Todos têm celulares, câmeras digitais, montanhas de DVDs piratas e muitos eletro-domésticos, mesmo que ching-ling. Móveis de casa estilo casas-bahia. Usam muitas roupas, em geral de pólos de confecção nordestinos, brincos, piercings, óculos escuros e supremo simbolo de status, aparelhos ortodônticos.
E estão engordando muito, justificando seu outro apelido de Classe C.
C de carbohidrato.


Agora são eles que estão ruidosamente nos shoppings, pilotando motos e carros, presentes nas lojas, nos aeroportos, nos hotéis e nas praias.
Convivendo alegremente, muitas vezes ostensivamente, com a classe A e com a menos tolerante classe B.
Esta sim, a tradicional classe média, é que se sente incomodadíssima com os novos vizinhos, essa gentinha que está chegando.
Apesar deles já nem cheirarem mal, pelo contrário usam perfume até demais.

Os pobres chegaram. 
O processo é irreversível, muito bem vindo e chega com muito atraso.
Nações hoje desenvolvidas possuem em comum a ascensão econômica da classe média. Esta mobilidade ocorreu primeiro na estratificada Europa onde junto com o capitalismo surgiram economias dinâmicas.
Por aqui houve fases de rápido crescimento, como na industrialização do início do século passado, no milagre econômico dos 70 e mais recentemente no Plano Cruzado.
Mas o aumento no padrão de vida dos mais pobres foi temporário e acabou se perdendo nas crises econômicas.

Agora com a retomada consistente do crescimento econômico o país volta a ter a oportunidade de sair definitivamente do subdesenvolvimento e elevar os padrões de vida de sua população, principalmente das camadas mais baixas.
Agora no final de 2011 o Ministro da Economia informou que o Brasil passou a ser à sexta economia do mundo, em mais uns poucos anos o país será a quinta economia do planeta.

Há cinco anos o perfil de crédito ao consumidor no Brasil mudou e se consolidou. Em 2001 o total de crédito disponível na economia brasileira representava 22% do PIB.
Em 2007 o percentual chegou a 35% e de acordo com o Banco Central em 2010 atingiu 40%.
O uso de cartões de crédito em geral subiu de 46,1% em 2006 para 53,5%, em 2007. Na classe C a alta foi de 51% para 57,8%. No Nordeste o crescimento foi explosivo.
Esse aumento beneficiou principalmente as classes baixas para as quais o crédito era raro ou inexistente.
Evidentemente que estes recursos, essenciais para movimentar a economia, são gastos de acordo com o gosto e as preferências de quem os gasta: as classes C e D.
O Brasil tem cada vez mais a face de seu mercado.

Um estudo da Associação Brasileira de Pesquisas e da Nielsen Brasil mostra que a classe C tem atualmente como objetivo a aquisição de bens de maior valor. Imóveis e carros aparecem entre as prioridades logo após poupar e quitar dívidas.
Os mais pobres já não vivem no minguado dia-a-dia e começam a planejar o futuro. Já existem muitos fundos de investimento em ações na Bolsa estruturados para captar recursos da classe C.
Quem diria, mas o pessoal da cozinha já chegou na Bolsa de Valores.
E não é para varrer o chão, é para investir mesmo.

A nova classe média não esta apenas comendo, bebendo e consumindo mais e melhor. Está se divertindo muito.
Os shows e festivais se multiplicam. Antes esquecido o país agora está na rota das mais caras bandas e artistas internacionais.
Se divertindo e celebrando como nunca a festa dos recém-chegados está criando novos problemas. Não é apenas o trânsito nas ruas que aumentou, o consumo de drogas subiu escandalosamente.
Eles agora também estão cheirando.

Nos últimos anos mais de 22 milhões de pessoas deixaram as classes D e E e chegaram na classe C, a porta de entrada da classe média e da sociedade de consumo. O equivalente a uma Suécia, uma Áustria e uma Suíça inteiras saindo da pobreza.
Se em 2005 eles representavam cerca de 34% hoje representam 52%, são portanto a maioria do país.
A classe média brasileira equivale a mais da metade da população de todos os outros países da América do Sul juntos.

Valeria a pena triplicar o bolsa-família para aumentar o consumo e gerar empregos e isso não é assistencialismo, é o mais puro capitalismo. 
Quando Henry Ford duplicou os salários de seus empregados foi considerado subversivo. Respondendo às criticas dos outros fabricantes de automóveis disse que queria que cada empregado pudesse comprar seu próprio carro. 
Isso há cem anos atrás.

Combatendo a Grande Recessão de 1929 o governo americano pagava de manhã uma turma de desempregados para pintar árvores de branco e de tarde pagava outra turma para retirar a tinta.
Parece loucura, mas era o New Deal de Roosevelt injetando recursos na economia.
Isso há oitenta anos atrás.

Vale a pena reduzir a enorme carga tributária brasileira para aquecer o mercado como provaram as reduções de impostos nos automóveis e na linha branca.
Perde-se arrecadação imediata, mas aumenta-se o volume de vendas gerando mais arrecadação no longo prazo.
Quanto mais dinheiro se deixa na mão do consumidor mais o mercado se aquece. E o mercado se aquece mais quanto mais dinheiro se deixar nas mãos das classes emergentes.  
Finalmente o Brasil descobre que seu enorme mercado interno, que seus pobres, são sua maior riqueza. Os pobres são o caminho para a riqueza.

No passado a classe média brasileira tinha mais bom gosto e requinte no seu quotidiano. A ascensão social era lenta e permitia um gradual aprendizado cívico e cultural. Havia tempo para a absorção dos valores e preferências das classes mais altas. Os que chegavam pediam licença para entrar na festa.

Agora não.
A festa é de pagode, brega, arroxa e sertanejo. Os recém chegados chegaram todos de uma vez e arrombaram a porta.
A antiga classe B que suou muito para "chegar lá" esta torcendo o nariz aos recém chegados. Eles são a tal gentinha que a classe B detesta e que até pouco tempo atrás conhecia seu lugar. Aquele pessoal barulhento que quando não suja na entrada, suja na saída.
A boa notícia é que eles estão sujando na entrada e na saída. 
Se eles estão sujando é por que produzem lixo, e se produzem lixo é por que consomem, geram empregos e movimentam a economia.
Com baixa inflação, economia em expansão e moeda forte o mercado se expande e os preços caem num constante círculo virtuoso. O acesso a bens e serviços aumenta.
Para todos.

Uma sintomática peça de publicidade de uma construtora está circulando nas laterais dos ônibus:
"Agora que você saiu do feijão com arroz está na hora de ter sua casa própria".
O pessoal do quarto de empregada agora está nos shoppings, nas faculdades, nos aviões, nos hotéis, nos restaurantes e nos navios de cruzeiro. Com os cabelos cada vez mais lisos e cada vez mais louros.
E não adianta sentir saudade do velho recurso ao "- Ponha-se no seu lugar". 
Este é o lugar deles. E de cartão de crédito na mão.

É uma excelente noticia que os desdentados de ontem estejam hoje usando aparelhos ortodônticos.
O Brasil, hoje a sexta economia mundial, deixou de ser um país de ricos e miseráveis para ser um país de classe média baixa. Deixou de ser um país de miseráveis para ser um país de pobres.
Para o bem e para o mal.